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Manifestantes em Colombo, Sri Lanka, protestando contra o governo e exigindo a renúncia do presidente, em 9 de julho de 2022 | Foto: Ruwan Walpola/Shutterstock
Edição 121

A crise em Sri Lanka

A má gestão fiscal, decisões equivocadas sobre alocação de recursos, a pandemia e o banimento dos defensivos agrícolas levaram as finanças do pequeno país ao sul da Índia à ruína

Rodrigo Constantino
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Imagens de protestos com uma turba revoltada invadindo a casa oficial do presidente de Sri Lanka, que teria fugido do país num avião militar, espalharam-se pelo mundo nesta semana. O país enfrenta sua pior crise econômica em décadas, e o governo é acusado de nepotismo e corrupção. A pandemia do coronavírus dizimou os ganhos de turismo de Sri Lanka, agravando uma situação financeira precária que resultou do acúmulo de dívidas em gastos com infraestrutura e cortes de impostos abrangentes que drenaram a receita do governo, além da proibição de fertilizantes químicos, que reduziu a produção agrícola.

A dor econômica dos últimos meses viu Sri Lanka lutar para importar combustível, à medida que suas reservas estrangeiras diminuíram para quase zero, levando a longas filas nas bombas, apagões e racionamento. A má gestão fiscal, decisões equivocadas sobre alocação de recursos, a pandemia e o banimento dos defensivos agrícolas levaram as finanças do pequeno país ao sul da Índia à ruína. O cansaço com os irmãos que controlam o governo há décadas chegou ao patamar do insuportável.

Sri Lanka se tornou independente do Reino Unido em 1948. Três grupos étnicos (cingaleses, tâmeis e muçulmanos) compõem 99% da população, de 22 milhões de habitantes. Uma família de irmãos domina o poder há anos: Mahinda Rajapaksa se tornou um herói entre a maioria cingalesa, em 2009, quando seu governo derrotou rebeldes separatistas tâmeis após anos de guerra civil sangrenta. Seu irmão Gotabaya, que era secretário de Defesa na época, é o atual presidente, mas diz que está deixando o cargo.

Manifestantes em Colombo, Sri Lanka, protestam contra o governo, em 9 de julho de 2022 | Foto: Ruwan Walpola/Shutterstock

“Não olhe para onde você caiu, mas para onde escorregou”, diz um provérbio africano. O presidente de Sri Lanka, Mahinda Rajapaksa, declarou oficialmente em 2009 a vitória das tropas de seu governo sobre os rebeldes do grupo separatista Tigres de Libertação da Pátria Tâmil, após 26 anos de guerra civil. Voltar às origens desse conflito, que tirou a vida de mais de 70 mil pessoas, pode ser útil para chegar a algumas conclusões. Em seu livro Ação Afirmativa ao Redor do Mundo, Thomas Sowell analisa o caso de Sri Lanka, concluindo que o regime de cotas imposto à população foi uma das causas do conflito.

A população de Sri Lanka é de cerca de 20 milhões de habitantes, com aproximadamente três quartos formados por cingaleses, sendo que a minoria principal, os tâmeis, constitui menos de um sexto da população. Antiga colônia inglesa do Ceilão, Sri Lanka conseguiu a independência em 1948. Não ocorrera uma única rixa racial entre os cingaleses e os tâmeis durante a primeira metade do século 20, independente da posição relativa bem mais favorável dos tâmeis, por fatores históricos, como o maior domínio inglês em regiões habitadas por eles. Os tâmeis foram, em boa parte, educados por ingleses e norte-americanos, que deram maior ênfase a matemática e ciência. Prosperaram então, a despeito de as regiões mais ricas em recursos naturais estarem sob controle dos cingaleses.

Agricultoras de chá no Sri Lanka | Foto: Shutterstock

Na independência, as posições de poder, riqueza e prestígio estavam principalmente nas mãos das elites cultas que falavam inglês, frequentemente cristãs, tanto de cingaleses quanto de tâmeis. A maioria, formada por cingaleses, pretendia tomar o poder. Adotaram o lema da “língua própria” contra a dominação do inglês. Como tantos outros lemas políticos, o pleito pela “língua própria”, em lugar do inglês, escondia outros interesses obscuros. Houve rápida transição para a defesa de “somente o cingalês” como idioma de Sri Lanka, visando na verdade ao acesso de empregos, especialmente do governo. Atingir as minorias tâmeis era o real alvo dessa medida.

A democracia era apenas um caminho para a ditadura da maioria

Um ambicioso membro do governo, Solomon Bandaranaike, partiu para a oposição, criando seu próprio partido, em 1951, e levando a bandeira da luta pela língua própria. Ele não representava todos aqueles em nome dos quais falava com tanta estridência. Era na verdade um aristocrata cingalês, cristão educado em Oxford. Mas Bandaranaike converteu-se ao budismo, esforçou-se para falar cingalês e se tornou defensor radical da cultura, do idioma e da religião cingaleses. Com certeza seus objetivos não eram religiosos. Ele pretendia ser primeiro-ministro. E conseguiu.

Sua administração produziu a legislação que especificou “só o cingalês” como idioma oficial de Sri Lanka. Essa política tornou-se foco de desavenças intergrupos, em vista de sua potencialidade para influir profundamente sobre as oportunidades na educação e no emprego. O governo instituiu ainda a aposentadoria obrigatória para os funcionários que não fossem capazes de falar o cingalês, dando um duro golpe nos tâmeis. A Constituição de Sri Lanka foi reformada para eliminar os preceitos que garantiam direitos às minorias. Como em vários outros casos, a democracia era apenas um caminho para a ditadura da maioria.

Estátua em templo no Sri Lanka | Foto: Shutterstock

Bandaranaike chegou a tentar um acordo com os tâmeis, cedendo em alguns pontos, devido à forte reação destes. Mas a reclamação dos cingaleses, já lutando para perpetuar os novos privilégios, evitou que o acordo entrasse em vigor. Em 1959, um extremista budista cingalês assassinou Bandaranaike, alegando que ele traíra a causa. Os partidos políticos cingaleses aproveitaram o pretexto dos direitos dos grupos e competiram para ganhar os votos da maioria, oferecendo a manutenção de regalias. Como em todos os demais casos de cotas, o que era para ser temporário vira permanente. Em 1972, foi introduzido um “sistema distrital de cotas”, fazendo despencar a proporção de estudantes tâmeis universitários.

Depois que apelos, protestos e campanhas de desobediência civil fracassaram na luta pela autonomia dos tâmeis, começou um movimento de guerrilha, e as demandas dos tâmeis escalaram-se, inclusive pregando a separação do país. Em 1975, foi formado o grupo guerrilheiro Tigres Tâmeis, e Sri Lanka estava em rota de guerra civil. Foi uma guerra repleta de atrocidades, de ambos os lados. Os tâmeis, sem o direito de secessão pacífica, começaram a fugir de Sri Lanka. A vizinha Índia recebeu mais de 40 mil tâmeis refugiados.

A guerra civil prosseguiu por décadas, deixando mais de 70 mil mortos. Diferente da crença bastante difundida, não foi quando as disparidades econômicas eram maiores que a rixa intergrupo atingiu seu pico. Ao contrário, os cingaleses e os tâmeis conviviam pacificamente nos anos 1920, quando a minoria tâmil era mais rica em termos relativos. Não foram as desigualdades que conduziram à violência intergrupos, mas a politização de tais diferenças, assim como a promoção de políticas de identidade de grupos, como as cotas.

Pescadores no Sri Lanka | Foto: Shutterstock

Mais recentemente, os problemas econômicos se agravaram por conta da ideologia esquerdista. Eis uma das responsáveis pela fome em Sri Lanka: Vandana Shiva, filósofa, física, ecofeminista e ativista ambiental, que é diretora da Fundação de Pesquisas em Ciência, Tecnologia e Ecologia, com sede em Nova Délhi, e uma das líderes e diretoras do Fórum Internacional Sobre Globalização. Shiva é simpatizante do MST lulista, da reforma agrária “familiar”. Ela luta contra o “agronegócio neoliberal”. Há postagens do MST enaltecendo sua política contra os “agrotóxicos” e por “uma revolução verde sem químicos e transgênicos”. Sua campanha pela “soberania alimentar” nesses moldes românticos e ideológicos tem ocorrido desde 2009. O líder do MST no Brasil, João Pedro Stedile, já declarou apoio ao pensamento esquerdista de Shiva. Ela, por sua vez, aderiu ao movimento “Lula livre”, quando o ex-presidente fora preso por corrupção.

As ideias propagadas pela indiana tiveram enorme influência na gestão agrícola de Sri Lanka, culminando no banimento dos defensivos agrícolas. O resultado prático foi a queda drástica na produção do país, um dos principais fatores da atual crise econômica. Em suma, podemos encontrar as impressões digitais da ideologia esquerdista em todas as cenas do crime. As cotas raciais, a irresponsabilidade fiscal, a antiglobalização e o ativismo ambiental contra o agronegócio estão nas raízes da tragédia que se abateu sobre o país. Uma tragédia não natural, mas artificial, construída pelo esquerdismo retrógrado.

Leia também “Não queimem a América!”

7 comentários
  1. Andreia Rodrigues Gomes
    Andreia Rodrigues Gomes

    Obrigada pelo excelente artigo. O tempo escancara muita coisa. Basta ter olhos para enxergar.

  2. Manfred Trennepohl
    Manfred Trennepohl

    Por onde passa, esse movimento, que de progressista não tem nada, bem pelo contrário deixa uma rastro de miséria, genocídios, casos da URSS, China, Cambodja, e muita desgraça. Não entendo como tem gente que ainda sonha com essa ideologia nefasta e não é somente o público jovem, que não vivenciou essa desgraça, mas pessoas que viram tudo isso acontecer. Isso tem que parar. Nós, no Brasil, temos a grande oportunidade de colocar um freio nisso. Outubro/22 é nossa chance. Vamos manter o nosso Presidente Bolsonaro no comando na Nação Brasileira. Ele é um freio para esses psicopatas.

  3. Erasmo Silvestre da Silva
    Erasmo Silvestre da Silva

    É evidente que a prosperidade de países como Estados Unidos Canadá Japão Coreia do Sul Inglaterra toda Europa ocidental, aconteceu pelo liberalismo econômico e a ausência das amarras do Estado

  4. Carmo Augusto Vicentini
    Carmo Augusto Vicentini

    Esquerdismo: Há quase dois séculos sendo bem sucedido na “arte” de destruir a humanidade.

  5. Silas Veloso
    Silas Veloso

    Brilhante exposição dos males perpetrados por falsas boas intenções, essas na verdade apenas encobrindo a ânsia pelo poder

    1. JOSE MARIA DA PAIXAO NASCIMENTO
      JOSE MARIA DA PAIXAO NASCIMENTO

      Essa esquerda, esses progressistas, esses líderes de pensamento socialista ou comunista acabarão com qualquer sonho, enquanto eles estiverem representando os cidadãos. Não conseguem governar com responsabilidade, nem têm altruísmo, nem virtude para representar uma nação , em países democráticos. Por onde essa gente passa é só desgraça. O povo tem que reagir na América Latina. Estaremos fadados ao fracasso caso eles consigam se eleger no Brasil.

  6. Jorge Apolonio Martins
    Jorge Apolonio Martins

    Enfim, um desastre anunciado.

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