Danuza Leão morreu no dia 22 de junho último. Que pena. Tínhamos nos prometido um café, algum tempo atrás. Me impressionava o pensamento afiado da Danuza — cada vez mais afiado. Queria muito visitá-la, sozinho, numa tarde livre, só para ficar ouvindo-a falar. Cheguei a comentar isso com ela por telefone, e ela topou a ideia. Era melhor esperar passar os riscos da pandemia. Que pena que não deu, Danuza.
Uma vida incrível, muito bem vivida, e que virou matéria-prima para a grande escritora que Danuza Leão se tornou. Ela viveu tudo. Foi símbolo de beleza e charme nos tempos mais charmosos, e aos poucos foi mostrando que os olhares sobre ela só não eram mais aguçados que o olhar dela própria para o mundo. Se tornou uma cronista de costumes, de cultura, de estética e de política. Política no sentido mais nobre, o do olhar sobre as condutas humanas e sua teia de conflitos e conexões. Era sempre bom ver o que a lente da colunista Danuza Leão estava focando no festival das atualidades.
Quando comecei a carreira, em meados dos anos 80, no Jornal do Brasil, Danuza era uma das colunistas importantes do jornal. Cheguei a vê-la na redação, na época em que li o best-seller Minha Razão de Viver, as memórias do lendário jornalista Samuel Wainer organizadas por Augusto Nunes. Danuza tinha sido casada com Wainer (com quem teve três filhos) e era um símbolo dos tempos da Bossa Nova (além de irmã de Nara Leão). Suas crônicas, ainda assim, tinham vida própria. Não dependiam do espelho da sua biografia. Danuza gostava de pensar.
Os novos moralistas estão matando a liberdade de expressão dissimuladamente, por envenenamento
E foi nesse campo talvez a sua última grande decisão. De repente ela se percebeu num processo de autocensura. Logo a voz mais livre, que ajudou a construir a identidade feminina no universo contemporâneo — falando e exercendo a liberdade de sentir e de ser o que se é. O que aconteceu para que Danuza começasse a medir as palavras e restringir sua própria forma de expressão?
Aconteceu o que todo mundo sabe e alguns fingem que não sabem: a nova onda moralista, fantasiada de libertadora. Ou seja: o moralismo mais hipócrita da história. Os reaças metidos a descolados vigiam todo mundo, ávidos para encontrar alguma vírgula fora da cartilha. E quando encontram têm sua apoteose sensorial. A sua glória. A patrulha da checagem, formal ou informal, espontânea ou “profissional”, é a glorificação do dedo-duro — em sua nova nomenclatura científica. Dedurar com fantasia de libertador — é o crime perfeito para os nanicos de alma.
Ou quase perfeito. Danuza Leão eles não conseguiram pegar. Acham que conseguiram. Porque de repente ela anunciou que ia parar de escrever, deixar de ser colunista. Não era aposentadoria, nem cansaço, nem esgotamento criativo. O olhar de Danuza para o mundo estava mais aguçado que nunca. Tanto que ela viu — e identificou perfeitamente — esse cerco insidioso contra a liberdade de expressão, que os novos moralistas estão matando dissimuladamente, por envenenamento.
Danuza sentiu que estava se envenenando. Se pegou começando a rodear assuntos sobre os quais sempre falou diretamente, pensando duas vezes antes de escrever sobre o amor — para ver se não estava esbarrando em algum dos novíssimos dogmas, se não estava deixando de pagar algum pedágio conceitual desses que a patrulha checadora exige. Era só o que faltava: depois de passar décadas ajudando a libertar pessoas e comportamentos, ter que pedir licença para os libertadores de araque — para não arranhar o moralismo moderninho.
A escritora de vários best sellers chegou à conclusão que qualquer pessoa de bom senso (não precisa nem bom gosto) também chegou: a patrulha politicamente correta virou um monstro e encaretou a vida. Danuza nunca se curvou ou fez concessões a esse arrastão mental para ficar bem com os clubinhos de poder. E quando achou que estava prestes a perder a sua liberdade, deu o salto inalcançável: trocou o pensar e escrever pelo pensar e pensar.
A patrulha ficou à míngua. E Danuza continuou se divertindo muito.
Obrigado, Danuza.
Leia também “Os vendedores de sonhos”
Maravilhosa Danuza!!
A genialidade dela, respingou em vc Fiuza!! Sobre a odiosa patrulha, lembro sempre do nojento episódio do grande Maurício do vôlei. Triste!!
Linda homenagem, Fiúza.
Desculpe , mas ela como todo Jovem foi uma Chata e Ditava Regras , não é porque Morreu virou Sta , a Coisa vem de Tempos , Agora passou do Limites , todos sabiamos onde ia ACABAR !!!!
“Clubinhos de poder”. Que genial, Fiúza!
Esses tais “lugares de fala” nada mais são – você conceituou brilhantemente – do que uns idiotas orwellianos, sonsos de tanta maconha, a praticar a exata censura dos piores entre os piores sistemas, das piores inquisições.
Inquisidores ridículos, promovendo diálogos sem lógica, enrolações sem sentido, afetados com os modos do presidente, a exibir narizes pedantes e dentes alvos, estes tratados com lâminas de porcelana (uma breguice contemporânea), aqueles com o pó que vem do morro e, se daí, do morro, então do sangue dos muitos do morro, o sangue dos pretos e miscigenados, que padecem vítimas dos fornecedores dessa elite vulgar.
Triste essa porra de Brasil, cara…
Danusa Leão, Nélson Rodrigues, Paulo Francis, Olavo de Carvalho… Esperem! Tenho 75 anos e daqui a pouco estou aí.
Desculpe-me! FIUZA…mas….
Se a mente dessas pessoas fossem tão aguçadas, PERCEBERIAM o futuro facilmente.
ÓBVIO que as “causas” feministas iam desembocar nisso…óbvios que “mimimis”…iam desembocar no fascismo.
Mesmo assim…esses “mentes aguçadas não conseguiram prever né?!
Me corrija se eu estiver errado e sendo injusto….mas ela era PTralha não era?!
Ou coisas correlatas ….REDE, PSOL PDT …et caterva.
Pessoas HONESTAS realmente… não perdoam carcereiros dos campos de concentração nazistas… “estava só cumprindo ordens” ou a mais comum dos “limpinhos”.. “Na época isso era moda/normal, sermos comunistas e contra o sistema opressor….etc.
LEIAM O EDITORIAL DO GUZZO!! Um SHOW!
ESPETACULO DE COERÊNCIA e super pertinente.
Fora Europa e EUA.
FORA!
Dedurar com fantasia de libertador — é o crime perfeito para os nanicos de alma.
Muito bom Fiúza
Que bela e merecida homenagem. Parabéns Fiuza.
“Nanicos de alma” – expressão triste e perfeita. Parabéns, Guilherme Fiuza, pelo texto.
Terna e afetuosa crônica sobre Danuza, uma mulher inteligente e marcante. Obrigado Fiúza.
Fiúza! Como você consegue ser tão perfeito?
Vou copiar, colar e guardar no meu arquivo de melhores coisas da vida.
Que texto bem escrito e agradável de ler. Se contar a correção da abordagem. Obrigado a você, Fiuza.
No último final de semana eu li o, muito bom, livro ” Quase Tudo”, da saudosa Danuza. “Viajamos” para épocas/comportamentos que nos enchem de saudade.
Salve, Danuza.
Danuza, jornal do Brasil, Flávio Cavalcante, TV Tupi, revista O Cruzeiro, Manchete!! E muito mais! Éramos felizes e nem sabíamos!!
Eu ainda peguei um tempo da multiplicidade de opinião na imprensa, através de quase duas dezenas de jornais que circulavam no Rio, por vezes em versão matutina e vespertina. Influenciado pelo meu avo, leitor voraz, aprendi a apreciar leitura de um bom jornal ao amanhecer. Infelizmente, assisti tudo isso, essa multiplicidade de visões, se transformado nessa coisa medíocre e pavorosa representada pelo tal “consorcio” ( como bem define Fiuza). Essas iniciativas estilo Oeste não podem perecer.
Obrigada Danusa Leão, obrigada Fiuza, obrigada Revista Oeste.Quando as pessoas se preocupam em melindrar grupos pelos próprios pensamentos, já estamos batendo na trave da liberdade de expressão.Infelizmente isso está acontecendo muito ultimamente.Se vc perde sua liberdade de falar,de pensar e escolher,a vida perde o sentido maravilhoso que todos possuímos.
Errata:Danuza Leão,desculpe a falha.
Obrigado Fiuza, foi na veia. Adorava a Danuza, era simplesmente um grito de mulher de pensar, agir e bom papo até o pôr do sol. Linda e marcante reportagem.
Ser Livre é lutar diàriamente pela LIBERDADE.
Ótima reportagem. Como é bom homenagear pessoas como Danuza Leão, bem acima dos pensantes medíocres atuais. Uma pena sua partida. Parabéns, Guilherme.
Só espero que você Fiuza, não siga a brilhante Danuza nessa de só pensar e pensar, e nos continue brindando com lucidez e coragem. Na nossa idade (50 e tantos) dá mesmo vontade de se enclausurar, mas seria uma perda para a cooperação e reflexão.
Eu não faço concessões, não respeito o politicamente correto. Passo reto. Tenho 58 anos uma enteada 4 filhos e 8 netos. Quem achar que tem bagagem me afronte.
Eu não entendo o que Fiuza tá falando mas se ele tá falando creio que está correto, porque nesse período acho que todo mundo pensava a liberdade do mesmo modo que ele e Danuza
Se perdemos Danuza, se perdemos Olavo, um lamento nos invade. Mas espaços se abrem para resistentes mais jovens. Há uma reciclagem que nos revigora a esperança.
Foram anos de luta pela liberdade de ser o que se é para depois vir uma turma da censura da sua fala, do seu pensamento, das suas escolhas. Tenho 72 anos e não vou aceitar. Foi muito difícil chegar onde estou.
CONCORDO, IPSIS LITTERIS … EU TAMBÉM TENHO A MESMA IDADE … PORTANTO, SOMOS CONTEMPORÂNEOS …
Pois é, de ser o que se é sem obrigar ninguém a ser igual. Aceitávamos o outro e éramos aceitos. Vivemos os melhores tempos do mundo.
Danuza rocks
Maravilhoso!!!! Sem qualquer retoque.
Realmente foi uma perda Danuza Leão, sempre bem estruturada, pacífica e inteligência impar…………..enfim fica seus feitos…..já que ela se foi…….
Incrivelmente correto meu amigo!!