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Foto: Reprodução redes sociais
Edição 121

Obrigado, Danuza Leão

A escritora chegou à conclusão que qualquer pessoa de bom senso também chegou: a patrulha politicamente correta virou um monstro e encaretou a vida

Guilherme Fiuza
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Danuza Leão morreu no dia 22 de junho último. Que pena. Tínhamos nos prometido um café, algum tempo atrás. Me impressionava o pensamento afiado da Danuza — cada vez mais afiado. Queria muito visitá-la, sozinho, numa tarde livre, só para ficar ouvindo-a falar. Cheguei a comentar isso com ela por telefone, e ela topou a ideia. Era melhor esperar passar os riscos da pandemia. Que pena que não deu, Danuza.

Uma vida incrível, muito bem vivida, e que virou matéria-prima para a grande escritora que Danuza Leão se tornou. Ela viveu tudo. Foi símbolo de beleza e charme nos tempos mais charmosos, e aos poucos foi mostrando que os olhares sobre ela só não eram mais aguçados que o olhar dela própria para o mundo. Se tornou uma cronista de costumes, de cultura, de estética e de política. Política no sentido mais nobre, o do olhar sobre as condutas humanas e sua teia de conflitos e conexões. Era sempre bom ver o que a lente da colunista Danuza Leão estava focando no festival das atualidades.

Quando comecei a carreira, em meados dos anos 80, no Jornal do Brasil, Danuza era uma das colunistas importantes do jornal. Cheguei a vê-la na redação, na época em que li o best-seller Minha Razão de Viver, as memórias do lendário jornalista Samuel Wainer organizadas por Augusto Nunes. Danuza tinha sido casada com Wainer (com quem teve três filhos) e era um símbolo dos tempos da Bossa Nova (além de irmã de Nara Leão). Suas crônicas, ainda assim, tinham vida própria. Não dependiam do espelho da sua biografia. Danuza gostava de pensar.

Os novos moralistas estão matando a liberdade de expressão dissimuladamente, por envenenamento

E foi nesse campo talvez a sua última grande decisão. De repente ela se percebeu num processo de autocensura. Logo a voz mais livre, que ajudou a construir a identidade feminina no universo contemporâneo — falando e exercendo a liberdade de sentir e de ser o que se é. O que aconteceu para que Danuza começasse a medir as palavras e restringir sua própria forma de expressão?

Aconteceu o que todo mundo sabe e alguns fingem que não sabem: a nova onda moralista, fantasiada de libertadora. Ou seja: o moralismo mais hipócrita da história. Os reaças metidos a descolados vigiam todo mundo, ávidos para encontrar alguma vírgula fora da cartilha. E quando encontram têm sua apoteose sensorial. A sua glória. A patrulha da checagem, formal ou informal, espontânea ou “profissional”, é a glorificação do dedo-duro — em sua nova nomenclatura científica. Dedurar com fantasia de libertador — é o crime perfeito para os nanicos de alma.

Ou quase perfeito. Danuza Leão eles não conseguiram pegar. Acham que conseguiram. Porque de repente ela anunciou que ia parar de escrever, deixar de ser colunista. Não era aposentadoria, nem cansaço, nem esgotamento criativo. O olhar de Danuza para o mundo estava mais aguçado que nunca. Tanto que ela viu — e identificou perfeitamente — esse cerco insidioso contra a liberdade de expressão, que os novos moralistas estão matando dissimuladamente, por envenenamento.

Danuza sentiu que estava se envenenando. Se pegou começando a rodear assuntos sobre os quais sempre falou diretamente, pensando duas vezes antes de escrever sobre o amor — para ver se não estava esbarrando em algum dos novíssimos dogmas, se não estava deixando de pagar algum pedágio conceitual desses que a patrulha checadora exige. Era só o que faltava: depois de passar décadas ajudando a libertar pessoas e comportamentos, ter que pedir licença para os libertadores de araque — para não arranhar o moralismo moderninho.

A escritora de vários best sellers chegou à conclusão que qualquer pessoa de bom senso (não precisa nem bom gosto) também chegou: a patrulha politicamente correta virou um monstro e encaretou a vida. Danuza nunca se curvou ou fez concessões a esse arrastão mental para ficar bem com os clubinhos de poder. E quando achou que estava prestes a perder a sua liberdade, deu o salto inalcançável: trocou o pensar e escrever pelo pensar e pensar.

A patrulha ficou à míngua. E Danuza continuou se divertindo muito.

Obrigado, Danuza.

Leia também “Os vendedores de sonhos”

33 comentários
  1. Maria de Nazaré Marques
    Maria de Nazaré Marques

    Maravilhosa Danuza!!

  2. ANTONIO VICENTE DE LIMA
    ANTONIO VICENTE DE LIMA

    A genialidade dela, respingou em vc Fiuza!! Sobre a odiosa patrulha, lembro sempre do nojento episódio do grande Maurício do vôlei. Triste!!

  3. Claudia Aguiar de Siqueira
    Claudia Aguiar de Siqueira

    Linda homenagem, Fiúza.

  4. João Carlos Raucci
    João Carlos Raucci

    Desculpe , mas ela como todo Jovem foi uma Chata e Ditava Regras , não é porque Morreu virou Sta , a Coisa vem de Tempos , Agora passou do Limites , todos sabiamos onde ia ACABAR !!!!

  5. Eleandro Machado
    Eleandro Machado

    “Clubinhos de poder”. Que genial, Fiúza!
    Esses tais “lugares de fala” nada mais são – você conceituou brilhantemente – do que uns idiotas orwellianos, sonsos de tanta maconha, a praticar a exata censura dos piores entre os piores sistemas, das piores inquisições.
    Inquisidores ridículos, promovendo diálogos sem lógica, enrolações sem sentido, afetados com os modos do presidente, a exibir narizes pedantes e dentes alvos, estes tratados com lâminas de porcelana (uma breguice contemporânea), aqueles com o pó que vem do morro e, se daí, do morro, então do sangue dos muitos do morro, o sangue dos pretos e miscigenados, que padecem vítimas dos fornecedores dessa elite vulgar.
    Triste essa porra de Brasil, cara…

  6. Marco Vales
    Marco Vales

    Danusa Leão, Nélson Rodrigues, Paulo Francis, Olavo de Carvalho… Esperem! Tenho 75 anos e daqui a pouco estou aí.

  7. Marcelo DANTON Silva
    Marcelo DANTON Silva

    Desculpe-me! FIUZA…mas….
    Se a mente dessas pessoas fossem tão aguçadas, PERCEBERIAM o futuro facilmente.
    ÓBVIO que as “causas” feministas iam desembocar nisso…óbvios que “mimimis”…iam desembocar no fascismo.
    Mesmo assim…esses “mentes aguçadas não conseguiram prever né?!
    Me corrija se eu estiver errado e sendo injusto….mas ela era PTralha não era?!
    Ou coisas correlatas ….REDE, PSOL PDT …et caterva.
    Pessoas HONESTAS realmente… não perdoam carcereiros dos campos de concentração nazistas… “estava só cumprindo ordens” ou a mais comum dos “limpinhos”.. “Na época isso era moda/normal, sermos comunistas e contra o sistema opressor….etc.

    LEIAM O EDITORIAL DO GUZZO!! Um SHOW!
    ESPETACULO DE COERÊNCIA e super pertinente.
    Fora Europa e EUA.
    FORA!

  8. João Choucair Gomes
    João Choucair Gomes

    Dedurar com fantasia de libertador — é o crime perfeito para os nanicos de alma.

    Muito bom Fiúza

  9. Alice Helena Rosante Garcia
    Alice Helena Rosante Garcia

    Que bela e merecida homenagem. Parabéns Fiuza.

  10. Lídia Cavalcante Fernandes Bispo
    Lídia Cavalcante Fernandes Bispo

    “Nanicos de alma” – expressão triste e perfeita. Parabéns, Guilherme Fiuza, pelo texto.

  11. Ajacio Bandeira de Mello Brandão
    Ajacio Bandeira de Mello Brandão

    Terna e afetuosa crônica sobre Danuza, uma mulher inteligente e marcante. Obrigado Fiúza.

  12. Rosely Villanova Gomes Graziano
    Rosely Villanova Gomes Graziano

    Fiúza! Como você consegue ser tão perfeito?
    Vou copiar, colar e guardar no meu arquivo de melhores coisas da vida.

  13. Paulo Roberto de M. A. Panighel
    Paulo Roberto de M. A. Panighel

    Que texto bem escrito e agradável de ler. Se contar a correção da abordagem. Obrigado a você, Fiuza.

  14. CARLOS ITAGIBA PAES BARBOSA
    CARLOS ITAGIBA PAES BARBOSA

    No último final de semana eu li o, muito bom, livro ” Quase Tudo”, da saudosa Danuza. “Viajamos” para épocas/comportamentos que nos enchem de saudade.

  15. Bruno Meyer

    Salve, Danuza.

  16. Henrique Hochleitner
    Henrique Hochleitner

    Danuza, jornal do Brasil, Flávio Cavalcante, TV Tupi, revista O Cruzeiro, Manchete!! E muito mais! Éramos felizes e nem sabíamos!!

  17. Helcio Jose Pinto Rodrigues
    Helcio Jose Pinto Rodrigues

    Eu ainda peguei um tempo da multiplicidade de opinião na imprensa, através de quase duas dezenas de jornais que circulavam no Rio, por vezes em versão matutina e vespertina. Influenciado pelo meu avo, leitor voraz, aprendi a apreciar leitura de um bom jornal ao amanhecer. Infelizmente, assisti tudo isso, essa multiplicidade de visões, se transformado nessa coisa medíocre e pavorosa representada pelo tal “consorcio” ( como bem define Fiuza). Essas iniciativas estilo Oeste não podem perecer.

  18. Teresa Guzzo
    Teresa Guzzo

    Obrigada Danusa Leão, obrigada Fiuza, obrigada Revista Oeste.Quando as pessoas se preocupam em melindrar grupos pelos próprios pensamentos, já estamos batendo na trave da liberdade de expressão.Infelizmente isso está acontecendo muito ultimamente.Se vc perde sua liberdade de falar,de pensar e escolher,a vida perde o sentido maravilhoso que todos possuímos.

    1. Teresa Guzzo
      Teresa Guzzo

      Errata:Danuza Leão,desculpe a falha.

    2. Sidnei de Araújo Silva
      Sidnei de Araújo Silva

      Obrigado Fiuza, foi na veia. Adorava a Danuza, era simplesmente um grito de mulher de pensar, agir e bom papo até o pôr do sol. Linda e marcante reportagem.

  19. Júlio Rodrigues Neto
    Júlio Rodrigues Neto

    Ser Livre é lutar diàriamente pela LIBERDADE.

  20. salvan meira wanderley
    salvan meira wanderley

    Ótima reportagem. Como é bom homenagear pessoas como Danuza Leão, bem acima dos pensantes medíocres atuais. Uma pena sua partida. Parabéns, Guilherme.

    1. Ricardo Vieira Orsi
      Ricardo Vieira Orsi

      Só espero que você Fiuza, não siga a brilhante Danuza nessa de só pensar e pensar, e nos continue brindando com lucidez e coragem. Na nossa idade (50 e tantos) dá mesmo vontade de se enclausurar, mas seria uma perda para a cooperação e reflexão.

  21. Jorge Apolonio Martins
    Jorge Apolonio Martins

    Eu não faço concessões, não respeito o politicamente correto. Passo reto. Tenho 58 anos uma enteada 4 filhos e 8 netos. Quem achar que tem bagagem me afronte.

  22. Erasmo Silvestre da Silva
    Erasmo Silvestre da Silva

    Eu não entendo o que Fiuza tá falando mas se ele tá falando creio que está correto, porque nesse período acho que todo mundo pensava a liberdade do mesmo modo que ele e Danuza

  23. Paulo Fernando Vogel
    Paulo Fernando Vogel

    Se perdemos Danuza, se perdemos Olavo, um lamento nos invade. Mas espaços se abrem para resistentes mais jovens. Há uma reciclagem que nos revigora a esperança.

  24. Marilia Ferreira Dela Coleta
    Marilia Ferreira Dela Coleta

    Foram anos de luta pela liberdade de ser o que se é para depois vir uma turma da censura da sua fala, do seu pensamento, das suas escolhas. Tenho 72 anos e não vou aceitar. Foi muito difícil chegar onde estou.

    1. Decorozo Ortiz De Lima
      Decorozo Ortiz De Lima

      CONCORDO, IPSIS LITTERIS … EU TAMBÉM TENHO A MESMA IDADE … PORTANTO, SOMOS CONTEMPORÂNEOS …

    2. Rosely Villanova Gomes Graziano
      Rosely Villanova Gomes Graziano

      Pois é, de ser o que se é sem obrigar ninguém a ser igual. Aceitávamos o outro e éramos aceitos. Vivemos os melhores tempos do mundo.

  25. Dirceu Bertin
    Dirceu Bertin

    Danuza rocks

  26. tania angarani
    tania angarani

    Maravilhoso!!!! Sem qualquer retoque.

  27. HIVERARDO BERTASI VELASCO
    HIVERARDO BERTASI VELASCO

    Realmente foi uma perda Danuza Leão, sempre bem estruturada, pacífica e inteligência impar…………..enfim fica seus feitos…..já que ela se foi…….

  28. Manoel Ribeiro Soares Neto
    Manoel Ribeiro Soares Neto

    Incrivelmente correto meu amigo!!

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