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Ilustração: Shutterstock
Edição 121

Uma população em pânico

Cansaço? Esqueceu onde colocou as chaves? Ficou sem fôlego depois de subir as escadas? Covid longa. É um diagnóstico irrefutável, o sonho dos alarmistas

Gabrielle Bauer
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Agora que a fase emergencial da pandemia ficou para trás, os alarmistas da covid-19 não têm mais muito com que se ocupar — mas os profetas do apocalipse detestam o vácuo.

Surge a covid longa, o foco de medo perfeito, porque nunca pode ser refutado. Você pode responsabilizá-la por qualquer sintoma que desenvolver depois da fase aguda da doença, semanas ou anos depois. Cansaço? Covid longa. Esqueceu onde colocou as chaves? Covid longa. Ficou sem fôlego depois de subir um lance de escadas? Covid longa, sem dúvida. É um diagnóstico irrefutável, o sonho dos alarmistas.

Se pareço impertinente, é porque os últimos dois anos e meio me deixaram um tanto desconfiada quanto à propensão humana ao pânico. Como todos descobrimos, uma população em pânico aceita — ou melhor, exige — toda e qualquer restrição às liberdades e aos direitos mais básicos. Se permitirmos que a covid longa se torne o novo botão do pânico, essas restrições podem se estender a uma futuro infinito.

Que fique registrado, não estou sugerindo que a covid longa não exista. Não quero minimizar o sofrimento das pessoas afetadas por ela. Minha questão não é com os indivíduos, é com a mensagem de saúde pública, que fica instilando medo em uma população confusa e exausta que perdeu a capacidade de avaliar o risco de forma racional. Estou sugerindo que coloquemos a covid longa em perspectiva, para que ela não se torne o próximo pretexto para paralisar nossas vidas.

Excessos da mídia

Com certeza não podemos contar com a perspectiva equilibrada da mídia tradicional e dos especialistas a que ela recorre: o medo gera cliques, retuítes e faturamento de anúncios. “Não há ninguém que seja jovem ou saudável demais que não possa pegar síndrome pós-covid-19”, afirmou David Putrino, fisioterapeuta de Nova Iorque, para a revista Parade, fazendo sua parte para garantir que todo mundo continue com medo.

Em um artigo do New York Times intitulado “This is really scary: kids’ struggle with long covid” (“Isso é muito assustador: a luta das crianças contra a covid longa”), o pesquisador Avindra Nath, do National Institutes of Health, alerta sobre o impacto da covid longa no desenvolvimento das crianças. “Elas estão em seus anos de formação”, explica. “Quando você começa a ter atrasos no desenvolvimento, é muito difícil, porque as crianças também perdem a confiança em si mesmas. É uma espiral descendente.”

É impossível não contrastar essa solicitude com a falta de preocupação da mídia com o efeito do fechamento das escolas e do uso prolongado de máscaras para o desenvolvimento das crianças. Só para constar.

Os alarmistas da covid longa também disputam espaço na Twitterlândia com o profeta do apocalipse profissional Eric Feigl-Ding liderando o ataque, como era de se prever. De sua conta no Twitter, em 20 de maio: “Vamos lidar com este fato. Um bilhão de pessoas podem ter covid longa nos próximos três anos”. Como era de esperar, ele não resiste a falar de si mesmo em meio à história de terror. “O fardo da covid longa provavelmente vai ser muito maior do que se imaginou. No entanto, muito poucas pessoas se importam em diminuir a transmissão. Isso me deixa triste.”

Não são só os profissionais de saúde que disparam esse tipo de mensagem. A desenvolvedora de software Megan Ruthven nos instiga a retomar o programa de contenção da doença de 2020, desta vez para “evitar o colapso do sistema hospitalar por causa da covid longa”. Por quanto tempo, exatamente? De acordo com um sujeito chamado Xabier Oxale, pelo tempo que for. “Vamos olhar para a covid longa, e então, e só então, é possível garantir que uma cepa é menos perigosa. Para isso, são necessários meses, anos até. Como ninguém sabe, o princípio da precaução deve prevalecer. Zero covid!” É isso, gente. “Zero covid” está de volta.

E então temos Carlos, que decretou que a falta de ação do governo diante da covid longa, que ele chama de “o maior acontecimento de incapacitação em massa da história da humanidade”. Enquanto isso, Mx. Charis Hill coloca a culpa em você e em mim. “Você pode estar pessoalmente disposto a se arriscar a uma infecção & covid longa & à perda de estabilidade financeira que isso pode causar. Mas se pegar covid, passar para seu parceiro/filho/pai/irmão & e eles se tornarem permanentemente inválidos? Por sua causa?”

Um estudo com mais de 50 mil pessoas sugere que a covid longa pode não estar à altura da caracterização catastrófica feita pela mídia

Se esses tuítes não trazem terror ao seu coração, basta ler o post de 7 de junho no blog People’s Pharmacy. “A covid longa é comum e assustadora!”, diz o título, seguido de “a covid longa é terrível!” no subtítulo. Mais adiante no texto, descobrimos que “tanto o cérebro quanto o corpo reagem à covid!” Como as exclamações nunca são demais, o autor nos alerta que “o corpo também é impactado!”

Para mim está na hora de fazer a roda girar. Vamos começar com alguns números.

Por toda parte

Estudos sobre a predominância da covid longa geraram resultados altamente discrepantes, o que por si só coloca as estatísticas mais assustadoras em dúvida. Alguns pesquisadores estimam que menos de 10% das infecções por covid-19 evoluem para covid longa, enquanto outros colocam a estimativa em mais da metade. Em crianças e adolescentes, a prevalência relatada oscila ainda mais — entre 4% e 66%, de acordo com a revisão de 14 estudos. Para tornar as coisas ainda mais confusas, os sintomas da covid longa também podem ocorrer depois da influenza, ainda que isso ocorra com menor frequência.

Então quem e no que acreditar? Quando em dúvida, nunca é má ideia consultar estudos grandes e bem controlados, que por definição têm mais peso estatístico. Uma análise do Reino Unido com mais de 50 mil pessoas, com e sem histórico de infecção por covid-19, sugere que a covid longa pode não estar à altura da caracterização catastrófica feita pela mídia. No relatório de um desses estudos, o Escritório de Estatísticas Nacionais (ONS) do Reino Unido afirmou que 5% dos pacientes infectados anteriormente relataram pelo menos um sintoma de covid longa entre 12 e 16 semanas depois. A reviravolta: “A prevalência foi de 3,4% em um grupo controlado de participantes que não tiveram resultado positivo no teste de covid-19, o que demonstra quanto esses sintomas são relativamente comuns na população a qualquer momento”.

Aí está, direto do ONS: a qualquer momento, mais de 3% de transeuntes aleatórios têm sintomas não específicos que caracterizam covid longa, como fadiga, dores de cabeça e baixa concentração. Uma imagem semelhante surgiu em um estudo controlado dinamarquês de covid longa pediátrica que envolveu 44 mil pacientes, publicado no The Lancet Child & Adolescent Health. Uma minoria considerável de crianças que já tinha sido infectada relatou sintomas de covid longa — mas o mesmo ocorreu com crianças que não pegaram covid, em uma quantidade mais baixa considerada “significativa estatisticamente, mas não relevante do ponto de vista clínico”. Ainda que isso não refute a existência da covid longa, há um convite ao ceticismo sobre os números altíssimos apresentados por alguns estudos.

Os sintomas atribuídos à covid longa também são muito diversos, de alucinações a queda de cabelo, passando por alterações no ciclo menstrual e encolhimento do pênis. Reações alérgicas, descamação na pele, dores nas articulações… A lista é enorme. Mas a questão é: não é possível atribuir de forma conclusiva nenhum desses sintomas à covid longa. Como um relatório da Universidade McGill sobre sintomas da covid longa explica, “notar algo depois de ficar doente por conta de um vírus não significa automaticamente que isso foi causado por esse vírus”. Em resumo, a covid longa continua sendo algo escorregadio, que escapa das nossas mãos.

 O que não sabemos

Existe algo que não sabemos, e é a batata mais quente das batatas quentes: se fatores situacionais ou psicológicos podem explicar alguns sintomas da covid longa. Relaxem. Não estou sugerindo que você está imaginando tudo. Só estou dizendo que um sintoma pode surgir de mais de uma fonte, e os especialistas concordam.

Um relatório especializado do Johns Hopkins sobre a origem dos sintomas da covid longa afirma que problemas de saúde mental podem ter origem em “fadiga ou dores não resolvidas, da síndrome de estresse pós-trauma depois da internação em uma unidade de tratamento intensivo”.

Seguindo mais ou menos a mesma linha, um artigo do Globe and Mail destaca que o desafio de decifrar quais sintomas da covid longa podem ser atribuídos à covid longa e quais são decorrência da internação, uma vez que uma longa hospitalização pode, ela mesma, causar uma série de problemas de saúde físicos e mentais”.

Repito: não estou negando a existência da covid longa. Não estou negando que ela pode causar dor e sofrimento. Apoio a pesquisa e o investimento público voltados para o fenômeno. Estou apenas dizendo que precisamos parar com os pronunciamentos catastróficos e substituí-los por mensagens mais equilibradas e otimistas.

Acima de tudo, precisamos evitar transformar a covid longa no novo bicho-papão, o monstro embaixo da cama que faz uma população assustada exigir restrições mais longas e rigorosas para viver. Nenhum grau de proteção vale passar por isso de novo.


Gabrielle Bauer é jornalista especializada em saúde. Escreve livros, artigos e ensaios clínicos. Recebeu seis premiações nacionais de jornalismo. É autora de Tokyo, My Everest, covencedor do Canada-Japan Book Prize, e Waltzing the Tango, finalista do prêmio criativo de não ficção Edna Staebler. Lançará em breve mais um livro, 2020 Blindsight, sobre líderes com perspectivas críticas à política da pandemia. Gabrielle viveu em Florianópolis durante seis meses, em 2018, encantou-se pelo Brasil e continua estudando português

Leia também “O colapso econômico tem raízes no lockdown”

10 comentários
  1. Andreia Rodrigues Gomes
    Andreia Rodrigues Gomes

    Por isso amo números. Eles não mentem nunca. Parabéns pelo artigo. Obrigada.

  2. DAVID JUGEND
    DAVID JUGEND

    Tive Covid grave em fins de março de 2021. 30 dias entubado, mais 35 de hospital, 90 de home care, e essa fadiga extrema de que você fala dura até hoje. As vezes melhora um pouquinho as vezes piora muito.
    Faz mais de ano e dois meses.
    Antes, vivia muito bem, jogava golfe toda semana, trabalhava 12 horas por dia.
    De modo que me reservo o direito de ficar preocupado com sua reportagem onde, ao invés de ajudar na procura da solução da Covid longa, ficar duvidando que exista.

    1. Renato Perim
      Renato Perim

      Sr. David, lamento pela sua situação, mas o senhor não entendeu absolutamente nada da mensagem do artigo. Sugiro reler.

  3. Erasmo Silvestre da Silva
    Erasmo Silvestre da Silva

    Não tomei nenhuma vacina e tô com todos esses sintomas psicossomáticos, mas é porque a terra tá girando no sentido anti-horário com essa agenda 2030. Pela mãe do guarda!

  4. Luiz Eurípedes Massiere De Castro Silva
    Luiz Eurípedes Massiere De Castro Silva

    E realmente espantoso que um artigo que se pretenda abrangente não mencione, nem de passagem, a hipótese que cada vez mais toma corpo para estes efeitos, apesar de todas as pressões para que não apareça: os danos causados pelas substâncias que vêm sendo injetadas nas pessoas com o apelido de “vacinas” (é incrível que ainda chamem de vacina substâncias que as pessoas tomam três, quatro doses, e depois ainda peguem a doença, e pior, ainda atribuam a elas a proeza de terem terminado com a pandemia). Estas experiências genéticas perigosas têm causado danos expressivos a inúmeras pessoas, e um dos resultados mais alarmantes é o surgimento de respostas auto-imunes induzidas por estas substâncias, ou seja, o sistema imunológico passa a atacar os tecidos dos órgãos que foram programados para produzir a famigerada proteína spike. Esta é provavelmente uma das causas deste fenômeno genérico chamado de ‘Covid longa”. Mas isso você não vai ver no “consórcio de imprensa”

  5. Cícero Ruggiero
    Cícero Ruggiero

    E se esses sintomas foram decorrentes do lockdown que ataca o psicológico do ser humano? E se forem decorrentes da supressão do ensino, da proibição de ir as escolas, da distância do aprendizado tão necessário para a criança, adolescente e o jovem? E se forem decorrentes do abuso sexual ou psicológico sofridos dentro de casa em tempos de distanciamento social? E se forem decorrentes de efeitos adversos provocados por vacinas experimentais até hoje administradas sem critérios científicos definidos? Levando em consideração essas questões, fica muito difícil falar em covid longa sem pensar em mais um plano diabólico contra as nossas liberdades .

  6. Cícero Ruggiero
    Cícero Ruggiero

    E se esses sintomas foram decorrentes do lockdown que ataca o psicológico do ser humano? E se forem decorrentes da supressão do ensino, da proibição de ir as escolas, da distância do aprendizado tão necessário para a criança, adolescente e o jovem? E se forem decorrentes do abuso sexual ou psicológico sofridos dentro de casa em tempos de distanciamento social? E se forem decorrentes de efeitos adversos provocados por vacinas experimentais até hoje administradas sem critérios científicos definidos? Levando em consideração essas questões, fica muito difícil falar em covid longa sem pensar em mais um plano diabólico contra as nossas liberdades .

  7. Marcial Ferreira da Silva
    Marcial Ferreira da Silva

    Excelente artigo. Fiquei curioso em saber a nacionalidade da colunista, que não consta na sua apresentação no final do texto.

  8. Jose Mauro Da Silva Rodrigues
    Jose Mauro Da Silva Rodrigues

    Perfeito!

    1. Cláudio
      Cláudio

      Gabrielle, sou corredor amador ,há 13 anos. Tive Covid -19 , com comprometimento pulmonar detectado na tomografia na ocasião da doença…..e minha performance nos meus treinos MELHOROU após a doença. Isto é fato , e falo por mim mesmo.

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