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Foto: Montagem Revista Oeste/Shutterstock
Edição 130

O fantasma de 2014

Virada de Dilma Rousseff no meio da apuração levou à insegurança sobre o processo eleitoral no Brasil

Silvio Navarro
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Sempre que o debate sobre a segurança da apuração das urnas eletrônicas vem à tona, o eleitor brasileiro volta a 2014. A lembrança é inevitável. Teria ou não ocorrido manipulação nos dados da Justiça Eleitoral, precisamente às 19h32, quando Dilma Rousseff ultrapassou Aécio Neves no segundo turno? Uma hora depois, os plantonistas das emissoras de TV anunciaram a vitória da petista, a mais apertada já registrada até hoje.

A eleição presidencial de 2014 é um roteiro cinematográfico perfeito. Terminou com a vitória de uma presidente impopular, que comandava o último capítulo de um projeto de poder desgastado. Foi marcada pela morte trágica do candidato Eduardo Campos (PSB) em um acidente aéreo. Foi também a última campanha bilionária, com produções de TV hollywoodianas — bancadas pelo Petrolão, como se sabe hoje. Registrou a arrancada do tucano Aécio Neves na reta final. Viu São Paulo, o maior colégio eleitoral do país, erguer uma muralha de 7 milhões de votos contra o PT.

O roteiro da apuração terminou com suspense até a cena final. Por causa da diferença do fuso horário para o Acre, o resultado só começou a ser divulgado às 19 horas pela imprensa. Porém, como a contagem teve início às 17 horas, os resultados de muitos TREs (Tribunal Regional Eleitoral) já eram conhecidos. E a dianteira de Aécio era grande.

Com mais da metade dos votos apurados, às 18h30, o tucano tinha uma vantagem de 6,7 milhões para Dilma. A campanha tucana se agitou. Um grupo de apoiadores, políticos, marqueteiros e celebridades, como o apresentador Luciano Huck, se reuniu no apartamento de Aécio em Belo Horizonte para iniciar a festa.

Em 2014, apoiadores se reúnem no apartamento de Aécio Neves para acompanhar a apuração das urnas | Foto: Reprodução/Internet

Do outro lado do campo, o clima no comitê petista era de tensão. Mesmo depois da divulgação do resultado final, os semblantes de Dilma, Lula e Rui Falcão, então presidente do PT, estavam apreensivos. Reeleita, ela permaneceu pálida ao agradecer ao eleitorado no discurso da vitória. “Chegamos, chegamos… Eu vou pedir, gente, um pouquinho de silêncio, porque a minha voz se foi. Peço que vocês me deem uma força”, desabafou.

Durante anos, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) dedicou-se a negar irregularidades naquela apuração. O PSDB pediu uma auditoria do placar, que durou quase um ano. O desfecho foi inconclusivo, porque não havia materialidade para a recontagem. O caso foi encerrado oficialmente.

Dilma teve 3,5 milhões de votos a mais do que Aécio, num universo de mais de 112 milhões contabilizados — incluindo brancos e nulos. Outros 30 milhões de pessoas não foram votar

É claro que há vários casos de eleições acirradas na história, especialmente para prefeituras de pequenas cidades. Basta um único voto para o placar ser decidido. Mas a impossibilidade de mapear de onde saíram os votos que selaram a reeleição da petista deixou boa parte do eleitorado com a pulga atrás da orelha. Em tese, eles teriam partido de colégios com apuração mais lenta, no Norte e no Nordeste, e em Minas Gerais — berço político do rival. Na manhã seguinte ao pleito, a manchete repetida pelos jornais dizia: “Aécio perdeu a eleição em casa”. A estratificação dos dados mostra que ela venceu em 70% das cidades mineiras — 589 das 853.

Os gráficos abaixo foram feitos a partir da contagem registrada por minuto. As curvas mostram que Dilma teria virado o jogo às 19h32, com 89% dos votos válidos apurados.

Voto auditável

O fantasma da eleição de 2014 mobilizou políticos de diferentes correntes ideológicas para aprimorar a auditagem das urnas. Tratava-se de um pleito antigo dos partidos, que começou com Leonel Brizola (PDT), pouco depois da instalação das urnas eletrônicas, em 1996. Três projetos passaram pelo Congresso Nacional. O último deles, justamente em 2015, depois da reeleição de Dilma, teve o apoio de PSDB, MDB, PCdoB, Psol e PDT, entre outros.

Os principais candidatos que disputarão a Presidência em outubro deste ano criticaram a urna eletrônica em diferentes ocasiões. “Nada é infalível, só Deus”, afirmou Lula, em 6 de junho de 2002, meses antes da eleição. “Vamos pegar o que aconteceu aqui, quantas denúncias já foram feitas de defunto que vota, de cidades que têm mais eleitores do que habitantes.” Segundo o ex-presidente, “não sabemos se a urna pode ser manipulada ou não”.

Há sete anos, Simone Tebet (MDB) defendeu a impressão do comprovante do voto. “Será que o meu voto depositado na urna, depois de processado, se concretiza?”, perguntou, durante uma entrevista. Já Ciro Gomes defender, há um ano, a adoção do voto auditável para “aperfeiçoar a urna eletrônica”: “Qual o problema em tornar um sistema, que já é bom, em um sistema melhor?”

Basicamente, aperfeiçoar o sistema eleitoral passa por esse caminho: a impressão de um comprovante do voto. O TSE, contudo, rejeita qualquer mudança. O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que as medidas aprovadas pelo Legislativo eram inconstitucionais.

Em julho do ano passado, a edição 69 de Oeste detalhou o tema. Na época, como o presidente Jair Bolsonaro defendia a implementação de mecanismos para ampliar a checagem dos votos, ergueu-se no país uma frente em defesa das urnas eletrônicas. Os mesmos partidos e políticos que antes defendiam a impressão do comprovante de voto mudaram de ideia. O consórcio da imprensa lançou a tese de que o pedido de Bolsonaro, na verdade, era uma desculpa para dar um golpe de Estado caso fosse derrotado. Foi nessa fase que os editoriais da velha mídia trocaram o adjetivo “genocida” da pandemia pelo “golpista” de 2022, ao se referirem ao presidente.

Ninguém defendeu com tanto entusiasmo as urnas eletrônicas brasileiras quanto o ministro Luís Roberto Barroso. Quando comandou o TSE, ele chegou a atravessar a Praça dos Três Poderes, em Brasília, para articular a derrubada na Câmara de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), de autoria da deputada Bia Kicis (PL-DF), aliada de Bolsonaro.

Barroso levou os seguintes argumentos, que passaram a ser adotados pelos parlamentares: 1) a instalação de impressoras custaria R$ 2 bilhões — ainda que a Justiça Eleitoral consuma R$ 10 bilhões dos cofres públicos, e o fundão eleitoral mais R$ 5,7 bilhões; 2) as urnas brasileiras, de primeira geração, ainda são altamente sofisticadas, apesar de terem sido abandonadas por vizinhos, como Equador e Argentina; 3) o pano de fundo desse debate é que Bolsonaro planejaria um golpe.

O ápice da cruzada do TSE em defesa do sistema de votação ocorreu em agosto. O novo presidente da Corte Eleitoral, Alexandre de Moraes, promoveu uma festa de gala para sua posse, com 2 mil convidados, recepcionados pelos Dragões da Independência em tapete vermelho. A cena lembra a entrega do Oscar ou algum prêmio do cinema.

“Somos a única democracia do mundo que apura e divulga os resultados eleitorais no mesmo dia. Com agilidade, segurança, competência e transparência. Isso é motivo de orgulho nacional”, disse Moraes

A fala de Moraes foi aplaudida pelos convidados, cuja maioria retrata um velho Brasil: Dilma, Lula, Michel Temer, José Sarney. Vinte dias depois, uma multidão cobriu as ruas do país de verde e amarelo para celebrar o 7 de Setembro. Há milhares de imagens de bandeiras. O Hino Nacional foi ouvido em centenas de cidades. São esses os símbolos de “orgulho nacional” — não as urnas eletrônicas.

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21 comentários
  1. Alaor Santos Jesus Natálio
    Alaor Santos Jesus Natálio

    E não é que aconteceu novamente? Até o gráfico é idêntico.

  2. Audemir Loris
    Audemir Loris

    Partindo do principio que o voto é indevassável, jamais pode-se ligar o eleitor ao que de fato está na urna (arquivo de dados), não há trilha ou hash para tal, se existir o sigilo do voto está comprometido.
    A única (IMHO) maneira de garantir a fidelidade das urnas (sem contar com a boa vontade ou fé pública) é uma contrapartida em mídia diferenciada não manipulável, e que no momento do voto (dados eletrônicos) possa pelo eleitor ser verificada, ou seja, ele sabe o que escolheu na tela e vê sua escolha impressa em ticket sem ter contato com o mesmo, confirmado o voto o ticket e depositado em compartimento velado e inviolável, caso haja dúvida pode-se apurar os tickets (contagem não necessariamente manual) e comparar com o boletim de urna, isto me parece ser o mais razoável para mitigar as dúvidas e problemas locais.

  3. R Fortes
    R Fortes

    Isso já aconteceu comigo também duas semanas atrás. Seria falha do app, hackers, auto-censura da ROeste ?

  4. Julio José Pinto Eira Velha
    Julio José Pinto Eira Velha

    Não podemos esquecer que, o presidente do TSE à época, era nada mais nada menos, José Dias Tofolli.

    1. Julio José Pinto Eira Velha
      Julio José Pinto Eira Velha

      Quero dizer naquela época.

    2. R Fortes
      R Fortes

      Me lembro perfeitamente durante a diplomação da DilmAnta, Toffoli lhe falou em alto e bom tom:”não haverá terceiro turno”. Ou seja, a fraude foi consumada, Presidenta, e qualquer auditoria seria inconclusiva. Dito e feito.
      Agora em 2022, se as FAs ou a banda digna da PF não desbaratarem a exdrúxula “SALA SECRETA” do TSE em tempo hábil, entrarão para história como cúmplices de um GOLPE por inação, por militância ou por contarem com compensações via regalias e penduricalhos, tal como os agraciados do STF.
      Não há nenhuma luta ideológica ou interesse em melhorar a vida dos Brasileiros. Os conspiradores querem TOMAR O PODER para poderem se APODERAR DA PROPRIEDADE ALHEIA, SEM TRABALHAR.

  5. Geraldo Otto
    Geraldo Otto

    Não confio nos ministros do STF e do TSE porque eles vem demostrando não serem confiáveis. A fala do Barroso disse tudo “eleição não se ganha…..”

  6. Robson Oliveira Aires
    Robson Oliveira Aires

    Só os devotos da seita da santa Urna Eletrônica para acreditarem na infalibilidade da mesma. Por que será que o resto do mundo não utiliza esse sistema da urna eletrônica, salvo Butão e Bangladesh. 2.014 está aí para não deixar dúvidas quanto a suposta integralidade da urna eletrônica. Como bem lembrado no artigo acima.

  7. Delza Curvello Rocha
    Delza Curvello Rocha

    Prezado jornalista,
    Tomei a liberdade de encaminhar e-mail. sobre o assunto.
    Se possível, aguardo confirmação.

  8. Ricardo de Lima Cedro
    Ricardo de Lima Cedro

    Ainda que o escrutínio da escolha do eleitor haja sido vergonhosamente golpeado por um funcionário público desprezível, que se autoproclama “empurrador da história”, ao sustar o comprovante em papel do voto registrado na urna eletrônica, o TSE, os ladrões dos impostos que pagamos, os corruptos e os adoradores da cartilha marxista verão a mesma resposta que os mineiros deram, em 2018, a um “iluministro” do STF que tentou livrar uma marionete da esquerda da perda dos direitos políticos: o pretório excelso livra o dono da marionete da cadeia; e o povo vai colocá-lo de volta ao esquecimento. Para sempre.

    1. L. C. Baldu
      L. C. Baldu

      Excelente, bem lembrado sr. Ricardo, nossa resposta tem de ser nas urnas. Como pode ”a” poste de 9 dedos, ganhar aquela eleição, depois dos escândalos do, mensalão, petrolão e Pasadena, e por ai foi….

  9. José Afonso Zerbini
    José Afonso Zerbini

    Excelente matéria que há muito tempo esperava ler, isto porque tenho esses detalhes da eleição de 2014 muito bem detalhados e já os citei em contatos com amigos e conhecidos, e sempre há quem diga”não foi bem assim”, ou “não me lembro de nada disso”. Isso realmente aborrece, já cheguei a me afastar de um grupo de whatsapp por terem colocado essas questões em dúvida. Agora vejo os detalhes todos citados na matéria, exatamente como os conheci e como os relato. Parabéns à Revista Oeste por essa forma honesta de colocar a situação. Sinto-me recompensado, obrigado !!!

    1. Silvio Navarro

      Obrigado! Abs

  10. Francisco Nascimento Garcia
    Francisco Nascimento Garcia

    O LULADRÃO (CARNIÇA) é o puxador de votos da ESQUERDA, mas o candidato do SISTEMA (ESTABLISMENT) é o picolé de chuchu!
    A companheirada ainda não entendeu que o Alckmim é o Temer II

  11. Francisco Nascimento Garcia
    Francisco Nascimento Garcia

    O LULADRÃO (CARNIÇA) pode até ganhar a eleição graças à FRAUDE do TSE nas urnas eletrônicas (NÃO AUDITÁVEIS) e ao sistema de apuração de votos com um computador “centralizado” e que usa “inteligência artificial” que APRENDE A CONTAR VOTOS, MAS…

  12. Erasmo Silvestre da Silva
    Erasmo Silvestre da Silva

    O mundo todo sabe que essas latas-velhas são a essência da Fraude. Mesmo se tivesse dúvidas, a insistência em empurrar essas porcarias guela abaixo da população, é a evidência da Fraude. O correto é jogar essas urnas eletrônicas no lixo e fazer eleição igual a França. É uma questão de soberania da Nação é a alma da democracia

  13. Lucas Scatulin Bocca
    Lucas Scatulin Bocca

    Eu já penso que o caso mais suspeito foi em 2006. À época éramos todos “bobos” e sequer imaginávamos que esse tipo de coisa (fraude) poderia acontecer; assim, aceitamos bovinamente o fato de Alckmin ter obtido menos votos no segundo turno do que no primeiro!!!! Hoje em dia já desconfio daquele resultado (e eu não desconfiei naquele momento). À época ninguém aventou a hipótese de que havia ocorrido fraude; porém, se refletirmos cuidadosamente, devemos reconhecer que o fato de Alckmin ter tido menos votos no segundo turno do que no primeiro é extremamente suspeito!!! De fato, para que tal fato ocorresse (menos votos no segundo turno do que no primeiro), haveria a necessidade de que muitos, mas muitos eleitores que votaram nele no primeiro turno não votassem no segundo e, CONCOMITANTEMENTE, NENHUM (ou quase nenhum) eleitor de outros candidatos no primeiro turno votasse nele no segundo turno!!! Tal cenário é altamente IMPROVÁVEL!!! Ter menos votos no segundo turno do que no primeiro seria um fenômeno raríssimo e digno de ser estudado profundamente por estatísticos e sociólogos (para tentar entender as “razões” de tantos “abandonos” dos eleitores do Alckmin no segundo turno ao MESMO TEMPO que nenhum – ou quase nenhum – voto de eleitores de outros candidatos tenha sido conquistado por Alckmin no segundo turno). Aumenta ainda mais a suspeita o fato de que Lula estava “mal das pernas” por conta do Mensalão (e a reeleição estava “por um fio”) – o que, com certeza, instigava ainda mais o lado desonesto da esquerda. Enfim, hoje em dia eu penso que é muito provável ter havido uma fraude; uma fraude que, de certa forma, deu “errado”: Alckmin não estava tão “forte” quanto imaginavam e, daí, o roubo teria sido superdimensionado (não era para perder com menos votos do que no primeiro turno para não levantar suspeitas, mas, superestimando a votação de Alckmin, teriam roubado mais do que o necessário). Mas como o PSDB sempre foi o papel higiênico do PT…

  14. Gustavo G. Junior
    Gustavo G. Junior

    Interferência do tse no Congresso. Pior, mais ilegal, mais esquisito que isso, IMPOSSÍVEL. Um ‘juiz’ foi até o C.N fazer o quê ?

  15. Valdinei Soares De Oliveira
    Valdinei Soares De Oliveira

    Quem vai fraudar não quer saber de auditoria. Nada como uma caixa preta, sem condições de verificação. O circo já está armado. Nós somos os palhaços.

  16. Ruy
    Ruy

    A pergunta que nunca se calará : pq o stf vetou o o voto impresso auditável ? Como a resposta é “ninguém sabe” (sic) é pq todos sabem … É a única maneira de checar se seu voto foi acrescido ao seu candidato e não á “outro” …

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