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Na mitologia grega, Sísifo foi o mais astuto dos homens, punido pelos deuses a rolar uma pedra montanha acima por toda a eternidade | Foto: Reprodução
Edição 131

O mito de Sísifo

A cada novo dia lá vou eu repetir cada ato, cada cena, explicando aos desatentos como o esquerdismo radical é perigoso, desmontando falácias criadas pela turma da imprensa

Rodrigo Constantino
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Sísifo, fundador da cidade de Éfira, desobedeceu aos deuses quando disse que voltaria ao mundo dos vivos apenas para castigar sua negligente mulher, prometendo logo depois regressar ao mundo dos mortos. Hermes, o deus mensageiro e condutor das almas para o Além, decidiu então castigá-lo pessoalmente, impondo um duro castigo a Sísifo, pior do que a morte. Ele foi condenado para todo o sempre a empurrar uma pedra até ao cimo de um monte, caindo a pedra invariavelmente da montanha sempre que o topo era atingido. Este processo seria sempre repetido até a eternidade.

O Mito de Sísifo é um ensaio filosófico escrito por Albert Camus, em 1941, inspirado pela mitologia grega. Para Camus, o homem vive num ambiente desconexo, em busca de sentido, flertando com o suicídio como única saída racional para essa suposta falta de sentido e propósito. A alternativa é a revolta diante desse mundo absurdo. “Este mundo não é razoável em si mesmo, eis tudo o que se pode dizer. Porém o mais absurdo é o confronto entre o irracional e o desejo desvairado de clareza cujo apelo ressoa no mais profundo do homem”, escreve Camus.

Ele continua: “Neste ponto do seu caminho, o homem se encontra diante do irracional. Sente em si o desejo de felicidade e de razão. O absurdo nasce desse confronto entre o apelo humano e o silêncio irracional do mundo”. Camus trata, então, de Sísifo e seu castigo: “Já devem ter notado que Sísifo é o herói absurdo. Seu desprezo pelos deuses, seu ódio à morte e sua paixão pela vida lhe valeram esse suplício indizível no qual todo o ser se empenha em não terminar coisa alguma. É o preço que se paga pelas paixões desta Terra”.

Mas não quero, aqui, tratar do suicídio filosófico, da fenomenologia ou do debate existencialista. O intuito é bem mais prosaico, comezinho, simplório. Utilizo a ideia do mito de Sísifo apenas para retratar um castigo que sinto na pele, talvez imposto pelos deuses por algum pecado meu qualquer: tenho de desmascarar falácias esquerdistas a cada eleição, apenas para uma vez mais recomeçar do zero o esforço. Não há um destino, um ponto de chegada. Mas, voltando a Camus, “a própria luta para chegar ao cume basta para encher o coração de um homem”. Ainda que esteja enxugando gelo, “é preciso imaginar Sísifo feliz”.

Não vou, portanto, bancar a vítima ou choramingar. É este o meu fardo neste mundo, e admito o talento sem falsa modéstia, que deve, então, ser utilizado para uma causa nobre, justa. Não nego, contudo, que seja tarefa deveras cansativa. Há momentos em que me sinto preso no tempo, como Bill Murray no filme O Feitiço do Tempo. A cada novo dia lá vou eu repetir cada ato, cada cena, explicando aos desatentos como o esquerdismo radical é perigoso, desmontando falácias criadas pela turma da imprensa. É o meu eterno dia da marmota, mas aprendi a lição: é preciso dar uma chance ao amor, mesmo nessa tarefa repetitiva e muitas vezes inglória. Faço o que faço com um sorriso estampado no rosto.

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Aprendemos com a história que poucos aprendem com a história. Se errar é humano, insistir no erro é burrice. Mas a estultice campeia, eis a triste realidade. Se a imensa maioria fosse mais inteligente, não haveria tanta miséria espalhada por aí. E basta olhar em torno para verificar como são muitos os que ainda caem nas armadilhas populistas, nos truques sensacionalistas, na ladainha socialista. E olha que as roupagens dos embusteiros nem muda muito! Eles repetem o truque cientes de que há certo desejo de ser enganado por parte do povo — e da elite.

Se antes era possível dar um desconto pela ignorância, depois do Mensalão e do Petrolão isso ficou impossível

Em 1989 eu era apenas um adolescente, mas já fazia campanha contra o “sapo barbudo”. O mesmo se deu em 1994, já com mais consciência e repertório sobre os motivos para se combater o socialismo. Em 1998 eu já tinha conhecimento suficiente para condenar com farto embasamento o projeto petista. E em 2002 eu lutava com afinco contra o Foro de SP, até ver o inacreditável: o povo brasileiro escolhendo o absurdo, como se o petismo não fosse devidamente conhecido para ser rechaçado com veemência. Foram enganados por uma cartinha ridícula e um terno Armani!

Desesperado, escrevi meu livro contra o PT em 2005, publicado antes mesmo do Mensalão. A bandeira ética totalmente esgarçada já abria o primeiro capítulo. Depois falei dos projetos assistencialistas que criavam o voto de cabresto, do desarmamento totalitário, das cotas raciais que dividiam o povo para conquistar poder, da visão econômica ineficiente, das ligações perigosas com MST e ditadores comunistas, etc. Não era necessário saber dos podres revelados por Roberto Jefferson para conhecer o banditismo petista, bastante disseminado pelo sul.

Livro de Rodrigo Constantino sobre o PT | Foto: Divulgação

Desde então só fiz aumentar meu desprezo por quem fechava os olhos e apostava uma vez mais no lulismo. Se antes era possível dar um desconto pela ignorância, depois do Mensalão e do Petrolão isso ficou impossível. Mas, no teatro do absurdo que é a vida, o impossível acontece com frequência assustadora. “Deturparam Marx” é a narrativa patética de cada novo experimento socialista, de quem não quer compreender que o problema reside no fundamento da ideologia, não em quem tentou colocá-la em prática. E lá vamos nós uma vez mais tentar explicar o óbvio…

Dessa vez, uma mídia desesperada pela abstinência de recursos públicos fez de tudo para pintar o presidente como o demônio em pessoa, um genocida, fascista, golpista extremamente perigoso para nossa democracia. Concomitantemente, empenhou-se no esforço homérico de reconstruir a imagem do ladrão socialista, como uma espécie de injustiçado perseguido por um juiz suspeito e partidário, que acabou sendo inocentado depois. Tudo falso, claro. Tudo discurso pérfido sem qualquer respaldo na realidade. Mas para quem vive da visão estética de mundo, de que serve a realidade, não é mesmo? E não faltou gente na esquerda caviar para comprar a valor de face essa narrativa surrada e patética.

Chegamos, então, às vésperas de mais uma eleição definitiva, que vai selar o destino do Brasil pelos próximos anos. E meu fardo consiste, uma vez mais, em dizer o óbvio: a escolha é evidente para quem não perdeu completamente o juízo. Você pode escolher a marcha pelas drogas ou aquela por Jesus. Você pode mirar nos exemplos fracassados da Argentina e da Venezuela ou olhar com mais admiração para países ricos e desenvolvidos que seguiram o liberalismo. Você pode defender bandido ou polícia. Você pode pregar aborto indiscriminadamente ou defender a vida. Você pode abraçar a corrupção sistêmica ou ter apreço pela coisa pública. Você pode desejar a roubalheira das estatais ou sua lucratividade e privatização. E por aí vai…

Estou empurrando minha rocha morro acima, com cada energia que meu corpo mais envelhecido é capaz de produzir. Faço isso com paixão, ainda que cansado, e sabendo que todo esforço será pontual, pois a rocha vai descer ladeira abaixo do outro lado, e terei de recomeçar tudo do zero. Aceito de bom grado esse meu castigo. Adoraria sonhar com o ponto final, no dia em que todos estariam cientes de quão nefasto é o socialismo e suas variantes enganosas. Mas não sou ingênuo a tal ponto. Sou realista, e por isso já vou me preparando psicologicamente para a nova rodada.

Só espero que a rocha não seja destruída de vez, ou roubada pelos safados. Pois, se não há um final feliz possível nessa árdua luta, o seu contrário não é verdadeiro. Ou seja, pode haver um final triste e definitivo. Perguntem aos venezuelanos se estou mentindo…

Leia também “Corporativismo midiático”

19 comentários
  1. Valesca Frois Nassif
    Valesca Frois Nassif

    Parabéns pelo texto tão eloquente e esmerado, Constantino! Acredite : apesar de não ser jornalista ou comentarista, me sinto exatamente como você, cansada dessa árdua missão de esclarecer pessoas do meu entorno insuficientemente conscientes do abismo bem diante de nós. Por que insistem nessa cegueira?

  2. Vania L M Marinelli
    Vania L M Marinelli

    Exatíssimo, Constantino! Ótimo texto!

  3. Ruy
    Ruy

    Parabéns uma vez mais Constantino. É aceitável que uma certa camada da sociedade, mais ingênua e despreparada, se encante com este embuste, mas é imperdoável a adesão interesseira e/ou velhaca da grande imprensa, da justiça e de grande parte de nossa “elite” (sic) econômico-financeita …

  4. Luiz Antonio Fraga
    Luiz Antonio Fraga

    Muito bom!!!

  5. Robson Oliveira Aires
    Robson Oliveira Aires

    Constantino, brilhante essa metáfora com o mito de Sísifo. Continue nessa sua empreitada. Não desista. Parafraseando o Coppolla: “não desista do Brasil”. Todos nós temos as nossas rochas a empurrar montanha acima e depois que ela rola montanha abaixo, empurrá-la de novo. Parabéns pelo excelente artigo.

  6. Jorge Apolonio Martins
    Jorge Apolonio Martins

    Consta, percebi um certo desencanto seu diante de tanta cegueira do eleitor brasileiro. Tenho me sentido assim também.

  7. JAMIL HALLE NAJM
    JAMIL HALLE NAJM

    A sua luta Constantino está dando certo, basta ver que a audiência da JP não para de subir.

  8. JHONATAN PAIVA SURDINI VIEIRA NOGUEIRA
    JHONATAN PAIVA SURDINI VIEIRA NOGUEIRA

    Força Consta! Estamos contigo!

  9. Silas Veloso
    Silas Veloso

    Admiramos sua força e combatividade. Ainda q aos poucos, vamos acordando da letargia socialista

  10. Luiz Wargha
    Luiz Wargha

    Fantástico!! Confesso que é realmente cansativo, e no meu caso, desanimador ver alguns esquerdopatas, por interesse próprio ou por ignorância, insistir nesta corja que só faz prejudicar o país.

  11. Raimundo Penaforte Dias de Sousa
    Raimundo Penaforte Dias de Sousa

    A esquerda vende ilusões, porque é mais fácil.

  12. Edson Carlos de Almeida
    Edson Carlos de Almeida

    Perfeito , e vamos continuar rolando as pedras !

  13. Erasmo Silvestre da Silva
    Erasmo Silvestre da Silva

    Constantino, o Sísifo vai ser ajudado pelos girassóis de Brasília do dia 7 de setembro e a pedra vai morro abaixo do outro lado do morro

  14. Arnaldo de Mesquita Bittencourt Filho
    Arnaldo de Mesquita Bittencourt Filho

    Um excelente artigo ! Constantino é um mestre para decantar os fatos diários, e em seguida apresentar a verdade com clareza e inteligência. Parabéns, prezado Consta ! Saiba que existem muitas pessoas, que como você, empurram pedra ladeira à cima.

    1. FERNANDO JOSÉ FERNANDES Walter
      FERNANDO JOSÉ FERNANDES Walter

      Excelente amigo. Não enxerga quem não quer.

  15. Carlos Alberto Carravetta
    Carlos Alberto Carravetta

    Parabéns, Rodrigo, mais uma vez ! Não desista da tua missão de Sísifo, pois muitos , como eu, são teus admiradores e propagam as ideias contidas nos teus brilhantes artigos! Vamos, todavia, precisar de sorte, muita sorte, para não cair nesse buraco. Como escreveu J.R.Guzzo, a ditadura já está contratada!

  16. Iury de Salvador e Lima
    Iury de Salvador e Lima

    Tudo é uma questão de perspectiva temporal.
    A escandinávia já foi uma terra difícil de povos bárbaros que saíram pelo mundo saqueando, matando, estuprando e escravizando. Hoje é uma referência de civilidade e honestidade.
    A Coreia do Norte não vai durar infinitamente na ditadura desumana que se encontra. Talvez em 100 anos, certamente em 1000 anos a coisa muda. Não estaremos vivos pra ver, provavelmente.
    O filme Gangues de Nova York mostra como aquilo já foi mais parecido com o Brasil do PT do que com os Estados Unidos atuais.
    Talvez o Brasil melhore nos próximos anos, se o Bolsonaro for reeleito e o Tarcísio o suceda. Mas talvez envereda para a venezuelização antes de, lá na frente, voltar a melhorar.

  17. Jarlan Barroso Botelho
    Jarlan Barroso Botelho

    Excelente artigo Constantino. Infelizmente, na maioria dos casos, quando falamos dos males do socialismo, da corrupção petista e do risco de um regime totalitário se eles voltarem ao poder, parece que estamos pregando no deserto. Mesmo assim, é preciso continuar.

  18. ANTONIO SABOIA
    ANTONIO SABOIA

    Caro Rodrigo, sou teu fã, leitor e espectador assíduo. Lendo este teu artigo sobre o mito de Sísifo acabou de se cristalizar uma noção que já vinha tomando forma há algum tempo: o eleitor pró-socialismo é essencialmente um emocionalmente ressentido. É no reino(realm), campo onde vicejam os ressentidos que a esquerda faz a sua colheita de adeptos eleitores. Não sei como lidar com espíritos ressentidos mas suspeito de que a argumentação lógica, o apelo ao bom senso e à boa-fé de pouco servem à nossa causa. Haveria uma outra forma? Desconheço…

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