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Lula em caminhada no Complexo do Alemão, Rio de Janeiro | Foto: João Gabriel Alves/AGIF/Estadão Conteúdo
Edição 135

Banditismo estrutural

Antes que uma mazela social, a “explosão de criminalidade” é vista como um dos meios pelos quais a ordem opressora atual pode ser rompida, abrindo caminho para um futuro radiante

Flávio Gordon
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“Despertaremos por toda parte os germes da confusão e do mal-estar.
Que os traficantes de drogas se atirem sobre as nossas nações aterrorizadas!”
(Louis Aragon, poeta e comunista francês, citado por Olavo de Carvalho)

“O PT tinha um diálogo com nóis cabuloso, mano”
(liderança do PCC interceptada pela Polícia Federal, em abril de 2019)

Um gráfico impressionante circulou nas redes nesta semana, com base em dados do Atlas da Violência produzido pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). Ele mostra a série histórica de homicídios no país desde o momento em que o PT assumiu o governo até os dias de hoje. A partir do primeiro mandato do ex-presidiário Luiz Inácio Lula da Silva, o que se vê é uma tendência geral de aumento dos índices, movimento que culmina no alarmante número de 62.517 homicídios no último ano do governo de Dilma Rousseff. A partir do impeachment da ex-presidente, quando então Michel Temer assume o cargo, inicia-se um movimento de queda vertiginosa nos números, movimento que continua e se intensifica no governo de Jair Bolsonaro, que adotou uma série de medidas mais duras no combate à criminalidade violenta.

Entre as várias causas possíveis para o fenômeno, gostaria de destacar aquela que, embora já houvesse sido diagnosticada por Olavo de Carvalho em um capítulo seminal de O Imbecil Coletivo, continua mal compreendida pelo público em geral. Chamo-a de banditismo estrutural. Sim, se a ideia esquerdista-identitária de “racismo estrutural” baseia-se numa falsificação completa da história e da sociologia brasileiras, o mesmo não se diga do conceito de banditismo estrutural, que decidi cunhar para caracterizar a relação frequentemente observável entre a ascensão da esquerda revolucionária ao poder e o aumento da criminalidade violenta.

Essa relação, cujo marco simbólico, no caso brasileiro, é o pacto firmado entre criminosos comuns e guerrilheiros comunistas no presídio de Ilha Grande, na década de 1970, pode ser observada em uma série de episódios factuais recentes, com destaque para a preferência eleitoral do líder do PCC, a votação expressiva do candidato socialista nos presídios e a visita desse mesmo candidato ao Complexo do Alemão, ocasião na qual usou boné com a inscrição “CPX”, que os narcotraficantes costumam usar como emblema. Mas há também razões doutrinais históricas para o banditismo estrutural promovido pela esquerda. Senão vejamos.

CPX Lula
Lula esteve no Complexo do Alemão | Foto: Carlos Elias Junior/FotoArena/Estadão Conteúdo

No livro O Combate das Trevas. A Esquerda Brasileira: das Ilusões Perdidas à Luta Armada, de 1987, o historiador Jacob Gorender afirma que, entre os anos de 1964-1968, na primeira fase do regime militar, a esquerda brasileira dedicou-se a uma revisão profunda do cânon marxista-leninista quanto à “classe” que deveria assumir o protagonismo na revolução e conduzir o processo histórico. Na esteira das revoluções cubana e argelina, da Guerra do Vietnã e da Revolução Cultural na China, esquerdistas de todo mundo passaram a encarar o campesinato como principal candidato a destituir o proletariado urbano do posto de classe revolucionária por excelência. Mas, em paralelo ao campesinato, um outro segmento social começava a emergir como uma interessante alternativa: os marginais, os delinquentes, os bandidos ou, em suma, o lumpemproletariado. “Marx não confiava no lúmpen, nos trabalhadores degradados pelo vício e pelo crime” — escreve Gorender. “Porém, nos países atrasados e oprimidos, as circunstâncias são diferentes. O marginal, seja cafetão ou prostituta, pode ser arrancado da colaboração com a polícia e convertido em revolucionário.”

E, de fato, a ideia do criminoso como revolucionário, como fator disruptivo da ordem burguesa opressora, transparece frequentemente em atos e palavras da nossa intelligentsia de esquerda. Essa romantização do bandido está no lema “seja marginal, seja herói”, de Hélio Oiticica, ou em filmes como O Bandido da Luz Vermelha, de Rogério Sganzerla. Em coisas como a sugestão de um conhecido jornalista de “dar voz aos bandidos” ou a apologia do assalto feita por uma conhecida “intelectual” petista. E na relação íntima de amizade entre um herdeiro milionário ultraesquerdista e um narcotraficante carioca.

Capa do DVD do filme O Bandido da Luz Vermelha | Foto: Reprodução

Não raro, ocorre também de o banditismo estrutural manifestar-se mais diretamente na boca de algum esquerdista emocionado. Foi, por exemplo, o caso do blogueiro petista Eduardo Guimarães, que em 2018 postou em seu Blog da Cidadania: “A revolução está chegando, mas não será daquele tipo em que o povo se arma e marcha tal qual exército para cima dos opressores. A revolução se dará através da explosão da criminalidade. Será uma revolução de guerrilha. A justiça será feita nos semáforos, em cada esquina [sic]”. Na mesma linha, o blogueiro Anderson França, então colunista da Folha de S.Paulo, chegou a propor em suas redes sociais uma espécie de “frente ampla” reunindo a militância de esquerda e o Comando Vermelho. Disse na época o extremista de esquerda (o mesmo que, há poucos dias, aliás, confessou seus desejos homicidas para com Bolsonaro, familiares e apoiadores): “Pense comigo que: a PM arrega pro crime [sic], mas bate em militante. Imagine o dia em que a militância fechar com o crime, APENAS PENSE [sic], a força do aço dos menino [sic], a disposição dos manifestante [sic]. CVRL e esquerda junto [sic]. Aliás, né? A História já conta. Eu fechava lindo nessa frente. LINDO [sic]”.

“Nos países atrasados e oprimidos, as circunstâncias são diferentes. O marginal, seja cafetão ou prostituta, pode ser arrancado da colaboração com a polícia e convertido em revolucionário”

Tendo em vista esse tipo de mentalidade — que, embora nem sempre declarada tão singelamente, subjaz à cultura política da esquerda revolucionária —, não surpreende que a criminalidade aumente toda vez que partidos, movimentos ou agentes de extrema-esquerda conquistam posições de poder e influência. Basta olhar para o que aconteceu recentemente em vários países da América Latina governados por integrantes do Foro de S. Paulo, organização fundada em 1990 por Lula e Fidel Castro para levar o socialismo ao poder em todos os países da região. O caso da Venezuela é paradigmático. Com o chavismo no poder, o número de homicídios aumentou de maneira exponencial, atingindo, já com Nicolás Maduro, sucessor de Chávez, impressionantes 92 homicídios para cada 100 mil habitantes.

Reunião de membros do Foro de São Paulo. O grupo apoia a eleição de candidatos de esquerda na América Latina | Foto: Reprodução

Roberto Briceño-León, sociólogo e membro do Observatório Venezuelano da Violência, pesquisou a fundo as causas do fenômeno. Em artigo crucial sobre o assunto, publicado em 2006, León concluiu que a explosão de crimes violentos durante a vigência do regime chavista não era obra do caso, resultando, antes, de cálculo político e ação sistemática. Para que o leitor tenha ideia dos números, considere-se que, em 1998, durante a campanha eleitoral, 4.550 homicídios haviam sido cometidos na Venezuela. Em 2004, após seis anos de governo Chávez, esse número quase triplicara, passando a 13.288. A taxa de homicídios por 100 mil habitantes, que em 1998 era de 19,5, saltou para 51 no ano de 2003 — um crescimento muito fora da curva. De um lado, a crise política impulsionara a criminalidade. De outro — eis o argumento central de León —–, o governo chavista agira deliberadamente no sentido de impedir o seu controle e repressão.

Nas palavras do autor: “Há políticas que favorecem a violência. Uma delas tem sido o descrédito sistemático ao qual foi submetida a polícia, e que levou tanto a uma campanha de agressões e desqualificações verbais, como a medidas de desarmamento dos funcionários. No ano de 2002, a emissora de televisão do governo transmitiu sistemática e repetidamente a promoção do filme venezuelano intitulado Disparem para Matar, como sempre fazem os canais de tevê quando estão preparando a audiência para uma estreia. Nas cenas escolhidas do filme para os comerciais, apresentava-se um oficial de polícia ordenando morbidamente a repressão em um bairro pobre; depois mostrava-se o crime cometido por um funcionário da polícia num rincão escuro; após um som estrepitoso do disparo, escutava-se o grito raivoso e longo da mãe da vítima que acusava os policiais: ‘Assassinos!’. Antes e depois da propaganda, agregavam-se frases políticas contra a oposição política ao governo”.

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Os presidentes Hugo Chávez e Lula, em 2009 | Foto: Ricardo Stuckert/PR

“Isso não parece ser casualidade” — continuava Briceño-León. “Não é de estranhar, então, que em 1999 se atingissem 5.974 homicídios, que no ano 2002 chegaram a 9.244 e que em 2003 superaram as 13 mil vítimas. Quer dizer, os homicídios triplicaram em seis anos da chamada ‘revolução bonita’”. E arriscava um prognóstico: “Num contexto de violência política como a que descrevemos, a violência delinquencial, a violência das gangues e da polícia tenderão a se intensificar de modo notável, pois os indivíduos violentos encontrarão um espaço de fácil atuação, e isso é o que já está acontecendo nestes últimos anos”.

O caso venezuelano é um exemplo perfeito das consequências de uma cultura política para a qual a criminalidade pode ser encarada positivamente, como potência revolucionária. Daí que, onde quer que socialistas e revolucionários cheguem ao poder, os índices de criminalidade subam consideravelmente. Para a mente revolucionária, o banditismo não é acidental, mas estrutural. Antes que uma mazela social, a “explosão de criminalidade” — para falar como o blogueiro petista acima citado — é um dos meios pelos quais a ordem opressora atual pode ser rompida, abrindo caminho para um futuro radiante, um paraíso terreno no qual — segundo a letra da profecia — o homem será livre para “caçar de manhã, pescar na parte da tarde, cuidar do gado ao anoitecer, fazer crítica após as refeições”.

Leia também “Bolsonaro e o bolsonarismo”

10 comentários
  1. Leonor
    Leonor

    Excelente, está tudo aí, bem na nossa frente.

  2. Ayrton Pisco
    Ayrton Pisco

    A convergência do crime organizado com a esquerda é uma conveniente oportunidade, pois há muitos interesses em comum.
    Converter criminosos em revolucionários contra a sociedade burguesa é um processo bastante fácil e já foi feito antes.
    No Rio já existe, há tempos, um Estado paralelo com leis e jurisdição própria, algo praticamente impossível de reverter.
    Em SP o crime já conquistou territórios que não perderá mais.
    O voto na esquerda tem, a meu ver, apenas 3 motivações: debilidade moral e intelectual, interesse pessoal e fanatismo ideológico.

  3. José Bento da Silva
    José Bento da Silva

    Dar a César o que é de César: a Esquerda não tolera marginais em sua circunscrição. O que a Esquerda faz é fomentar a marginalidade em regiões (países) não-esquerdistas com o fim de destruir a nação, até que tome conta do Poder. Uma vez no Poder, a marginalidade vai ter que buscar outro meio de sobrevivência….

  4. José Bento da Silva
    José Bento da Silva

    Como não tem uma Moral a cumprir, pois que a Moral não passa de mais um engodo da Elite para atravancar a ascensão do povo ao Poder, faz sentido à Esquerda sustentar que a Marginalidade é apenas produto da Opressão.
    Mas não se tem notícia de que Esquerda alguma, uma vez no Poder, tenha liberado a Marginalidade para cometer seus crimes. Quando a Esquerda assume o Poder de verdade, marginais não se criam, senão até o ponto do aceitável (e, praticamente, pouco se aceita, em termos da pilantragem, no Universo Socialista – a não ser aqueles desmandos originados no próprio Regime).

  5. Jorge Innami
    Jorge Innami

    Acredito que Bolsonaro vai ganhar domingo. Estamos longe de vencer a guerra contra esses comunistas. E pode escrever, eles não vão deixar barato.

  6. Erasmo Silvestre da Silva
    Erasmo Silvestre da Silva

    Eleições limpas com escrutínio público

  7. Jorge Apolonio Martins
    Jorge Apolonio Martins

    o mundo será um “eden”.

  8. Júlio Rodrigues Neto
    Júlio Rodrigues Neto

    Cerveja com pré-CANA

  9. Mauro Maretto
    Mauro Maretto

    Para esses dementes esquerdistas, guerra é paz, vício é virtude, censura é liberdade de expressão…e por aí vai.

  10. Rafael Nunes Pereira
    Rafael Nunes Pereira

    Flávio Gordon sempre alinhando os pontos e mostrando a verdade. Parabéns!

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