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Foto: Reprodução/Shutterstock
Edição 140

A mentira da fome no Brasil

Relatório do Banco Mundial mostra que a extrema pobreza no país, em 2020, caiu ao nível mais baixo desde 1980. Cadê os 33 milhões de famintos?

Loriane Comeli
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Em junho deste ano, a imprensa divulgou uma pesquisa mostrando que havia pouco mais de 33 milhões de famintos no Brasil. Seria como se a população de Portugal multiplicada por três estivesse sem ter o que comer por aqui. O levantamento foi realizado pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Penssan), em parceria com seis entidades e ONGs de esquerda.

Como a chamada grande mídia vive (pelo menos até agora) de comemorar notícia ruim e escantear as boas-novas, o número passou a ser repetido à exaustão, como verdade absoluta. Na campanha do PT à presidência, a pesquisa foi usada como arma político-eleitoral. Ganhou ares de um atestado incontestável de que praticamente um sexto da população brasileira passa fome em 2022.

Na última semana, o Banco Mundial divulgou os dados referentes à pobreza no país em 2020. Para desespero da turma que parece sempre torcer pelo pior (pelo menos até agora) a extrema pobreza no Brasil caiu ao nível mais baixo desde 1980. Eram 4 milhões de pessoas vivendo com menos de US$ 2,15 (cerca de R$ 11) por dia no primeiro ano da pandemia. O valor do Auxílio Brasil de R$ 600, dividido pelos dias do mês, corresponde ao dobro do valor diário estabelecido pelo Banco Mundial.

Então, como surgiu essa multidão de 28 milhões de pessoas subnutridas de uma hora para outra? Tudo indica que o alardeado 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil (da Rede Penssan, formada por entidades como Ação da Cidadania, Actionaid, Ford Fundation e Oxfam, além do Vox Populi) não era tão verdadeiro quanto pretendia ser. “Não é possível que em tão pouco tempo tenha havido um crescimento tão significativo da condição de pobreza para levar à fome grave nesse patamar anunciado”, analisou o economista Alan Ghani.

Lula confessa a mentira

Espalhar notícias falsas sobre o Brasil no exterior, inventar dados e tratá-los como verdadeiros não é uma novidade para o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Ele próprio admitiu que inventava números sobre miséria e caos para impressionar plateias estrangeiras.

“Eu cansei de viajar o mundo falando mal do Brasil, gente. A gente ia citando números. Se o cara perguntasse a fonte, a gente não tinha”, gabou-se Lula, numa entrevista coletiva de 2014. Ele contou que um de seus companheiros de viagem, o já falecido Jaime Lerner, arquiteto e ex-governador do Paraná, percebeu o exagero do número inventado de crianças de rua no Brasil.

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“Eu era aplaudido calorosamente pelos franceses. Quando eu terminei de falar, o Jaime Lerner disse assim para mim: ‘Ô, Lula, não pode ter 25 milhões de crianças de rua, porque senão a gente não conseguiria andar da rua. É muita criança!’”

O exagero denunciado por Lerner naquela mentira de Lula também se observa agora na pesquisa divulgada pela Penssan. É como pensa o economista e professor Igor Lucena sobre os supostos 33 milhões de famintos. “É, no mínimo, um exagero”, disse Lucena. Ele lembrou que o auxílio emergencial continuou em 2021. Ainda, em 2022, a taxa de desemprego está em 8,9%. É um índice muito menor, por exemplo, do que em 2015, quando a taxa de desemprego era de 14% e a taxa de pobreza extrema estava em 3,9%, segundo o Banco Mundial. “É incongruente que com o desemprego no patamar de 8,9% agora em 2022 haja um sexto da população passando fome”, considerou Lucena. “Não parece nada crível que em pouco mais de um ano o país tenha saído de 4 milhões de pessoas em pobreza extrema e passado a 33 milhões de pessoas com fome.”

O economista Alan Ghani também concorda que se trata de uma pesquisa que não condiz com a realidade, considerando, além da taxa de desemprego, o crescimento da economia em 2021. “Não faz sentido, porque, em 2021, o país cresceu e os auxílios continuaram a ser pagos”, afirmou Ghani. “O número é muito discrepante.” Em 2021, o Produto Interno Bruto (PIB) cresceu 4,6%.

Além disso, o próprio número da Penssan relativo a 2020, o chamado 1º Inquérito de Insegurança Alimentar, destoa — e muito — desse divulgado agora pelo Banco Mundial. Naquele ano, segundo a ONG, a insegurança alimentar grave era de 9% (19 milhões), contra 1,9% (4 milhões) de pessoas vivendo na extrema pobreza. Ou seja, o número da ONG é quase cinco vezes maior do que o do Banco Mundial.

O que é fome?

Lucena lembra, contudo, que são metodologias diferentes e, por isso, comprometem comparações. “Os dados das ONGs foram obtidos por meio de critérios subjetivos, e o dado do Banco Mundial é um relatório com base na renda”, afirmou. “Não dá para comparar o Banco Mundial, que faz uma série de relatórios muito bem-feitos e tem credibilidade reconhecida, inclusive em estudos acadêmicos, com a pesquisa dessas ONGs”, declarou Ghani.

A pesquisa da Penssan/Vox Populi se baseia em respostas dadas por 12,7 mil entrevistados a oito perguntas em que o morador da residência deveria dizer “sim” ou “não”. Todas as perguntas se referiam aos três meses anteriores à entrevista. A primeira pergunta, por exemplo, quer saber da preocupação do morador sobre a falta de alimentos. “Nos últimos três meses, os moradores deste domicílio tiveram a preocupação de que os alimentos acabassem antes de poder comprar ou receber mais comida?” A questão seis era: “Nos últimos três meses, algum morador de 18 anos ou mais de idade, alguma vez, comeu menos do que achou que devia, porque não havia dinheiro para comprar comida?”. Para considerar um entrevistado em situação de fome grave, eram necessárias pelo menos seis respostas positivas.

Reportagem publicada por Oeste revelou algumas controvérsias em torno da pesquisa da Rede Penssan. Por exemplo: na falta de clareza do conceito de fome. Os 33 milhões se referem ao que está definido no termo técnico “insegurança alimentar grave”, na Escala Brasileira de Insegurança Alimentar, usada desde 2004 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e aplicada ao estudo. No entanto, ao contrário da conotação usada pela Penssan, não é comum o IBGE usar a classificação de “insegurança alimentar grave” como sinônimo de fome.

O antropólogo Flávio Gordon, colunista da Revista Oeste, afirma que o documento tem viés político. “O relatório, ‘coautorado’ por ONGs nitidamente de esquerda, como Oxfam Brasil e Actionaid, tenta culpar o atual governo pela fome, mas, curiosamente, não faz menção alguma às políticas restritivas durante a pandemia”, observou Gordon.

Já o critério do Banco Mundial é bem objetivo: pessoas que vivem com menos de US$ 2,15 são consideradas extremamente pobres. Em 2020, apenas o Paraguai, além do Brasil, conseguiu reduzir a taxa de extrema pobreza, passando de 1%, em 2019, para 0,8%, uma queda de 0,2 ponto porcentual. No Brasil, que registrou a maior redução da pobreza na América Latina, a queda foi de 3,5 pontos porcentuais. Passou de 5,4%, em 2019, para 1,9%, em 2020. Na Argentina, na Bolívia, no Peru e na Colômbia, que são os países que tiveram os dados disponibilizados, houve aumento da extrema pobreza.

Só daqui um ano

No Brasil, a queda significativa na taxa em 2020 se deu em razão do auxílio emergencial. Com a pandemia, o fechamento de postos de trabalho e principalmente dos trabalhos informais, o governo destinou cerca de R$ 290 bilhões em benefícios para cerca de 68 milhões de pessoas. Foram cinco parcelas de R$ 600 e quatro de R$ 300, e o valor era em dobro para mães solteiras. Em abril de 2021, com a segunda onda da pandemia, o benefício foi retomado. Em 2022, o Auxílio Brasil, de R$ 600, é pago a cerca de 22 milhões de pessoas.

O próprio ministro da Economia, Paulo Guedes, havia desmentido a informação de que havia 33 milhões de brasileiros passando fome, citando um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). “O Ipea fez um trabalho mostrando que o teto disso [da extrema pobreza] seria de 7 milhões”, afirmou o ministro ao programa Pânico, da Jovem Pan, em 28 de setembro. “No mundo em que a guerra empobreceu os mais frágeis, o Brasil está reduzindo a pobreza. Ou é narrativa política ou é um trabalho malfeito. Se tivéssemos 33 milhões de brasileiros passando fome [seria quando] nós estávamos na pandemia. O dado de 33 milhões passando fome é um número completamente despropositado”, completou Guedes.

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Em agosto, o presidente do Ipea, Erik Figueiredo, divulgou um estudo em que concluía que a projeção de extrema pobreza no Brasil cairia 24% em 2022, na comparação com a projeção para 2021. Para o ano passado, a projeção de pobreza extrema era de 6%. E, para 2022, de 4,1%, segundo o estudo. Isso significa dizer que, neste ano, serão 8,8 milhões de pessoas na extrema pobreza — número maior do que o de 2020. Mas, ainda assim, muito menor do que os supostos 33 milhões passando fome.

O economista Igor Lucena acredita que, de fato, como mostra o Ipea, houve aumento da extrema pobreza em 2021 e 2022, justamente porque não há mais o auxílio emergencial, apenas o Auxílio Brasil. Embora em valor maior, ele já era pago anteriormente na forma do Bolsa Família. “Esse índice de 1,9% de 2020 deve crescer em 2021, porque houve corte do auxílio emergencial, mas não será nesse patamar (da Penssan/Vox Populi)”, comentou. “O número exato somente vamos saber quando o Banco Mundial divulgar o relatório, daqui a um ano”, afirmou.

Leia também “É proibido ser de direita nas universidades”

8 comentários
  1. DANIEL GUSTAVO ROCHA POÇO
    DANIEL GUSTAVO ROCHA POÇO

    Essa estória divulgada pelo Instituto Penssan sempre foi uma falácia, MAS VAMOS CONFESSAAR, demorou para a Revista Oeste e a Imprensa do bem confrontar esse numero absurdo de 33 milhões de pessoas passando fome no Brasil. Nunca foi verdadeiro esse numero. E quem perdesse alguns minutos tentando ler um texto do Instituto em questão, já detectaria que não ghavia ciencia alguma na obtenção do numero. Era só ler o tratabalhao ridiculo que eles divulgaram…. Penaz que a imprensa do bem não leu a tempo… O Lula deitou e rolaou encima desses numeros falsos do Instituto penssan

  2. Cleiton
    Cleiton

    Excelente artigo, parabéns e a colunista por publicar este belo artigo…

  3. Marcelo Gurgel
    Marcelo Gurgel

    Fake dos esquerdopatas com a anuência do establisment.

  4. ERANDIR BARROSO DE SOUSA
    ERANDIR BARROSO DE SOUSA

    Essa questão de culpa o atual governo por qualquer problema no Brasil é algo vergonhoso. O esquecimento proposital é visível as pessoas, esquecem as medidas adotadas pelos governadores e prefeitos. Impedir que as pessoas circulassem ou fossem trabalhar teriam consequência no aumento da pobreza, mas ninguém quis saber disso.

  5. Messias Rodrigues Pereira
    Messias Rodrigues Pereira

    É bom ter estes dados sempre em mão para comparar com os do ano que vem. Isto se o luladrão tomar posse. Outra coisa estes 33 milhoes de famintos vai ter é com ele no governo. Qdo ele dizia tem 33 milhoes de pessoas passando fome no Brasil. Na realidade ele falava errado, queria dizer vai ter 33 milhões de gente passando fome no meu governo.

  6. FLAVIO LEME FERREIRA FILHO
    FLAVIO LEME FERREIRA FILHO

    Lendo o relatório da FAO “The State of Food Security and Nutrition in the World 2022” , conforme a página 15 do capítulo 2 do relatório, conclui que todos os desnutridos da AMERICA DO SUL estão no Brasil. A razão dessa conclusão é que referido relatório menciona a existência de 34 milhões de desnutridos na América do Sul , enquanto que a imprensa afirma que existe número equivalente de desnutridos no Brasil. Esse Bolsonaro é mesmo ruim. Sorte de outros países da América do Sul por não terem desnutridos.

    1. Ricardo
      Ricardo

      Mais um analfabeto funcional que não entende o que lê… e neste caso agravado por patológica necessidade de mentir. O relatório da FAO apenas confirma o engodo de “33 milhões” brasileiros famintos e comprova a tendência apontada pelo Banco Mundial. Leia as tabelas por país antes de espalhar besteiras.

      1. Luis Ricardo Zimermann
        Luis Ricardo Zimermann

        Ricardo, o Flavio está apenas fazendo uma ironia. Justamente mostrando o ridículo de dizer que todos os famintos da América do Sul estariam no Brasil se os números da Penssan estivessem corretos, enquanto a Venezuela não teria nenhum faminto.

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