Saúde e alimentação estão intimamente ligadas. Nenhum alimento vai direto do campo para a mesa. Após a colheita, os alimentos passam por diferentes processos de transporte, armazenagem, preparo, industrialização e embalagem até a comercialização final. O sucesso do agronegócio e a saúde dos consumidores dependem muito dessas etapas, cada vez mais tecnológicas e industrializadas, entre a fazenda e o consumidor.
Alimento é toda substância ingerida por um ser vivo, capaz de lhe fornecer os materiais e a energia necessários à sua vida. Hábitos alimentares saudáveis, como comer sem excessos, compor benefícios nutricionais de vários alimentos e outras atitudes, são um bem à saúde. Como saber se num alimento, bem escolhido, bem pago e bem preparado, não há contaminantes químicos e biológicos ou se ele não perdeu suas propriedades nutricionais?
A demanda por alimentos não para de crescer. Alimentos são processados, embalados e distribuídos a milhões de destinos urbanos, aqui e no exterior. A população da Índia ultrapassou a da China em 2023. Os dois países reúnem 3 bilhões de pessoas. Só em 2050 suas populações tenderão à estabilidade. Em 2007, pela primeira vez, a população urbana ultrapassou a rural no planeta. Mais da metade dos humanos vive em cidades e deve ser alimentada pelo campo. Nas Américas e na Europa, mais de 70% da população é urbana. Na África e na Ásia, cerca de 40%. Em 2030, 60% da população será urbana.
População e renda crescerão, sobretudo na África, no mundo árabe e na Ásia. Isso ampliará a demanda por alimentos seguros, evitando riscos à saúde.
Alimentos perigosos contêm bactérias, fungos, vírus, micotoxinas, parasitas ou produtos químicos nocivos. Eles criam um círculo vicioso de doenças e desnutrição. Afetam sobretudo bebês, crianças pequenas, idosos e enfermos. Segundo a Organização Mundial da Saúde, causam mais de 200 doenças diferentes, de diarreia a câncer. Mais de 600 milhões de pessoas adoecem, todo ano, pela ingestão de alimentos contaminados. A contaminação pode ocorrer na produção, no transporte, na fabricação ou no preparo e, anualmente, leva a 420 mil mortes e à perda de 33 milhões de anos de vida saudável ou a US$ 110 bilhões em produtividade e gastos médicos.
Segurança alimentar não pode ser confundida com segurança do alimento. A segurança alimentar garante, a todos, o acesso físico e econômico aos alimentos suficientes para uma vida ativa e saudável. A segurança dos alimentos garante, a todos, higiene, inocuidade e salubridade dos gêneros alimentícios. Tem até garantia pela ISO 22.000 e certificação mundial pela FSSC 22.000.
A globalização do comércio alimentar, o aumento e o envelhecimento da população mundial e a ampliação da renda transformaram os sistemas alimentares globais. Informações da Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (Abia) demonstram como a industrialização dos alimentos e as cadeias de suprimento ampliaram a capacidade de fornecer alimentos sadios e de atender às mudanças nos hábitos de consumo, à sensibilidade dos consumidores e à necessidade de prevenir novos riscos alimentares.
Novas tecnologias aumentam o prazo de vida comercial dos alimentos, sua armazenagem, transporte e a manutenção de seu estado nutritivo e sanitário. A variedade de produtos seguros da indústria de alimentos é ilustrada pelos iogurtes disponíveis em qualquer supermercado: ampla gama de sabores, consistências, teores de gordura e açúcar etc. A indústria atende à diversidade de consumidores e gera produtos adequados às necessidades nutritivas especiais de diabéticos, idosos, crianças, alérgicos etc., além de produtos alimentares específicos, baseados em plantas, para veganos e vegetarianos.
Na pesquisa agropecuária, o Instituto de Tecnologia de Alimentos (Ital), com 60 anos, a Embrapa Agroindústria de Alimentos, universidades e o setor privado criaram novas técnicas, métodos e tecnologias nos processos de pós-colheita, transporte, industrialização e embalagens para garantir alimentos saudáveis na mesa do consumidor (do campo ao prato) e detectar fraudes.
Em escala mundial, a Organização Mundial da Saúde e a Organização Mundial para a Agricultura e a Alimentação buscam ampliar a segurança alimentar e a capacidade de prevenir, detectar e responder às ameaças à saúde pública de alimentos não seguros. A Conferência Internacional sobre Contaminantes Alimentares (ICFC 2023), em Campinas, tratou dos impactos na saúde e da sustentabilidade dos sistemas alimentares. O documento Brasil Food Safety Trends 2030, do Ital, traz um quadro completo das mudanças, tendências e desafios à gestão e à segurança dos alimentos.
Novos sistemas de embalagens (recicláveis) respeitam o meio ambiente, evitam desperdícios e são desenvolvidos com biopolímeros e outras técnicas e materiais inovadores
No campo, a eliminação de resíduos químicos e de contaminação biológica nos produtos tem sido eficaz e prosseguirá. Na agroindústria, a segurança de alimentos e de ingredientes ao consumidor, além de tarefas tradicionais, cuida de mercados emergentes — agricultura orgânica; alimentos baseados em plantas (plant-based), com cor, sabor, textura e aparência de produtos de origem animal; ingredientes nutricionais e probióticos obtidos de resíduos agroindustriais (upcycled); produtos, ingredientes, aditivos naturais e clean label (alimentos mais perto do natural, com baixo teor de aditivos, processamento e calorias, estáveis na armazenagem); novos ingredientes (algas, canabinoides, proteínas de insetos e jellyfish); produtos com redução ou ausência de sódio, gorduras e açúcares; refeições prontas e snacks.
Para críticos do sistema agroalimentar, consumir alimentos ultraprocessados é perigoso. Eles reduziriam a qualidade da dieta e aumentariam do risco de diabetes, obesidade, doenças cardiovasculares, alguns tipos de câncer, depressão etc. Vários estudos citados por esses críticos são casos de consumo em altas quantidades (nuggets e refrigerantes) ou de proporções excessivas de ultraprocessados. Para professores de engenharia de alimentos da Unicamp, não é cientificamente adequado correlacionar, de forma direta, o consumo desses produtos com maior incidência de obesidade e diabetes.
A ideia de ultraprocessado é muito ampla e nela os críticos incluem sorvetes, refrigerantes, achocolatados, biscoitos recheados, salgadinhos, cereais matinais, barras de cereais, macarrões instantâneos, fórmulas infantis, iogurtes, compostos lácteos, sopas de pacote, margarinas, requeijões, molhos (mostarda, ketchup…), refeições congeladas prontas para consumo etc. O termo “ultraprocessado” não é utilizado pela ciência, nem pela tecnologia de alimentos, nem por indústrias agroalimentares. Não é empregado na maioria dos países e não encontra consenso na comunidade científica.
Novos sistemas de embalagens (recicláveis) respeitam o meio ambiente, evitam desperdícios e são desenvolvidos com biopolímeros e outras técnicas e materiais inovadores. Embalagens ativas, inteligentes e interativas reduzem o risco de migração de substâncias químicas dos invólucros aos alimentos. Elas ampliam a rastreabilidade e interagem com o consumidor, fornecendo informações sobre o produto, fabricante etc.
O elo essencial entre produção, indústria agroalimentar e consumidores são os supermercados (Revista Oeste, edição 133). A entrega cotidiana de milhões de ovos sadios e frescos em toda a capilaridade do comércio nacional ilustra o excelente desempenho dessa cadeia de distribuição. Isso vale para outros produtos vegetais (frutas, hortaliças) e animais perecíveis.
Os supermercados on-line e o e-commerce de alimentos exigiram novos modelos de distribuição e embalagens, desenvolvidos no agronegócio e na agroindústria para fornecer e entregar alimentos em domicílio e até pratos prontos para consumo. Nessa temática, um grande esforço ainda é necessário no mercado de comidas de rua (ambulantes, street-food e food trucks [FTs]), que fazem parte da vida urbana moderna e apresentam riscos aos consumidores.
Pesquisa realizada com FTs no Distrito Federal revelou altos índices de contaminação biológica nos alimentos. Mais de 90% dos FTs não eram adequados para conservar alimentos, nem quanto à armazenagem e à higienização de equipamentos e utensílios. Mais de 70% não possuíam condições de armazenar água e alimentos ou de controlar a temperatura de ingredientes perecíveis e de matérias-primas. Em mais de 97% dos FTs, o uniforme dos manipuladores de alimentos não era adequado. E, em mais de 80% dos casos, os coletores de lixo e o descarte eram inapropriados. Existem soluções tecnológicas para todos esses desafios. Como efetivá-las?
Hortas comunitárias, produção familiar de hortaliças, arranjos produtivos locais e as formas de agriculturas alternativas ainda apresentam desafios básicos quanto à segurança dos alimentos orgânicos. São opções de renda rural, cumprem seu papel local e no autoconsumo das famílias rurais. Mesmo sem darem conta sequer da demanda alimentar dos municípios urbanizados onde estão, merecem lugar no mundo rural e devem avançar na segurança de hortaliças minimamente processadas e vendidas diretamente ao consumidor.
O abastecimento alimentar seguro, de forma sustentável, apoia o desenvolvimento econômico local e regional, agrega valor à produção agropecuária, expande o comércio e o turismo. Ganhos na segurança dos alimentos devem-se à incorporação de novas tecnologias no processamento industrial e nos sistemas de embalagens e distribuição. A diversidade de produtos sadios in natura ou processados nas gôndolas dos supermercados atesta essa evolução.
A segurança alimentar não resulta do retorno a hábitos e alimentos do Neolítico ou anteriores à Era Cristã, nem de diatribes e catilinárias contra o processamento industrial. Ela avança na colaboração entre agronegócio, pesquisa agropecuária e indústrias agroalimentares. Os bons resultados em sanidade, qualidade, diversificação e segurança do alimento industrializado no Brasil, com redução de preços e aumento de disponibilidade, são amplamente superiores a raros eventos negativos. A segurança dos alimentos, no pão nosso de cada dia, é fruto de ciência e tecnologia.
Depois de evocar folhas, frutos e grãos dos alimentos, encerro com uma palavra sobre raízes. A raiz etimológica latina de alimento (alimentum) aponta para o alto. De al-tum, al-i-tum, “crescer”. O adulto (ad-ult-us) é literalmente “quem chegou ao fim de seu crescimento”. A raiz al-ol ou ul está em “adolescente” (ad-ul-esc-entis), “em crescimento”. Em “índole” (ind-ol-es), “prole” (pr-ol-es) e “proletário” (pr-ol-e-tarius), todos em busca de alimentos. Por apofonia, a raiz de alimento está em “aluno” (al-umnus, “criança de peito, lactente”) e se eleva em “alto”, “altura”, “altitude”, “altivez” e até em “exaltação”. Alma Mater tem a mesma raiz. Seu significado toca o espiritual e deixo-o à busca sadia do leitor.
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Escolhendo melhor seu alimento, voce evita as idas constantes a farmacias.
Quanto conhecimento. Não poderíamos tê-lo como Senador nas próximas eleições em 2026? Como seria bom renovar esse inútil Senado Federal, para exigirmos respeito a democracia e devida punição àqueles que nos causam tanta INSEGURANÇA JURIDICA.
Só acredito em segurança dos alimentos àqueles vendidos por empresas macumunadas com governo estaduais e prefeituras para merenda escolar
Mto bom o artigo, por demonstrar que a qualidade do alimento vai além da presença de contaminantes químicos, estando associada a diversos fatores, deste sua produção ao consumo. Pouca atenção damos a esta realidade, mto se fala dos agroquímicos e pouco da contaminação biológica. Se pensarmos na qualidade da água que usamos na produção de alimentos e em nossas casas, devido a precariedade dos nossos indicadores de saneamento básico, vemos que pouca atenção é dada a questão da alimentação saudável! Parabéns por trazer este outro olhar para uma questão tão importante é complexa!
Nas fazendas da minha infância no Nordeste as verduras e hortaliças estavam no jirau e a proteína era diária quer fossem ovos, peixes, aves ou carne. Praticamente não havia transporte mas o cuidado era presente no crescimento, alimentação, abate e prepara.
A distribuição era em mercados centrais. Consumo diário através de bancas e boxes sem refrigeração, apenas gelo em barras para pescados e crustáceos.
Somos testemunhas da urbanização grande e veloz desde os anos 70 mas nem sempre pudemos acompanhar a evolução da segurança dos alimentos desde o campo até nossos lares. O Dr. Evaristo ilumina essa passagem de forma prática e intelectual, valorizando ainda mais o agro brasileiro que nos alimenta e sustenta. Trabalho honesto que requer paz!
Excelente artigo, isento e preciso nas informações técnicas.
Uma quantidade enorme de informação de altíssima qualidade.