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A busca pela longevidade | Ilustração: Shutterstock
Edição 184

A cada vez mais longa (e saudável) estrada da vida

Muito dinheiro está sendo investido na ciência da longevidade. Mas seus maiores segredos são de graça

Dagomir Marquezi
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Quantos anos você ainda vai viver? Ninguém sabe, claro. Mas existe outra pergunta bem mais simples: quantos anos você quer viver?

Estamos na era da longevidade. Aos 93 anos, Clint Eastwood vai começar as filmagens do longa Juror #2. Paul McCartney e Mick Jagger vão sair (separadamente) em tours mundiais aos 80. O empresário Rupert Murdoch, da News Corp, aos 93 declarou o filho herdeiro, mas se nega a parar de comandar seu império de mídia. Tamiko Honda trabalha há 23 anos num McDonalds de Kumamoto, no Japão, e tem 90.

A pessoa mais velha já registrada em todos os tempos foi a francesa Jeanne Calment, que morreu aos 122 anos, em 1997. Teoricamente, poderemos ir mais longe do que isso. Segundo o Pew Research Center, em 2050 a população global deverá triplicar o número de centenários — que chegarão aos 3,7 milhões. 

Segundo matéria desta semana da revista britânica The Economist, a longevidade é um novo foco de atenção de investidores pesos-pesados da economia high-tech. A empresa Retro Biosciences, por exemplo, tem o objetivo de adicionar dez anos de vida saudável a quem usar seus métodos. Empresas ligadas à longevidade despertaram a atenção de quem não costuma perder dinheiro, como Jeff Bezos (o fundador da Amazon), Larry Page e Sergey Brin (fundadores do Google).

Tamiko Honda, 90 anos | Foto: Reprodrução/Redes Sociais
Por que morremos?

O artigo da Economist explica algumas razões pelas quais a gente chega ao fim. A principal é que os humanos não foram feitos para durar. Nosso corpo é programado para se reproduzir. É a lógica fria e objetiva da natureza. Segundo o artigo, “olhando do ponto de vista genético, um indivíduo é simplesmente uma forma de fazer mais cópias dos seus genes”. Talvez isso explique por que as mulheres, muito mais importantes no processo de reprodução do que os homens, consigam viver mais. Para cada centenário, hoje, temos quatro centenárias. 

Humanos em idade não reprodutiva perderam sua utilidade, segundo essa lógica. E é por isso que tantas doenças esperam a idade avançada para nos atacar — Alzheimer, Parkinson, diabetes, vários tipos de câncer. 

Uma família de várias gerações reunidas facilita a troca de experiências e de cuidados amorosos. Crianças que convivem com avós vão aprender a cuidar dos pais quando chegar a hora

A matéria da Economist levanta 12 “defeitos” que surgem em idade mais avançada. Entre eles, mutações genéticas se multiplicam e impedem os genes de funcionar. As células perdem o controle da produção de proteínas e de energia. Pouco a pouco, entramos em falência. E assim ficamos fragilizados para os fatores externos que provavelmente darão o golpe final — acidentes, predadores ou doenças. 

E, no entanto, muita gente vence todas essas dificuldades e barreiras e passa dos 100. Por que alguns chegam lá com saúde e outros ficam pelo caminho?

As pessoas nas regiões das ‘zonas azuis’ do mundo reservam o tempo necessário para desacelerar e encontrar um refúgio no tempo que lhes permite se afastar das labutas da vida cotidiana e do estresse que a acompanha | Foto: Divulgação/Blue Zones
As ‘zonas azuis’

Dois cientistas especializados em gerontologia (Gianni Pes e Michel Poulain) descobriram que a ilha italiana da Sardenha tinha uma quantidade de idosos maior que a média. Saíram de cidade em cidade, de aldeia em aldeia, pesquisando o número de centenários em cada comunidade. As maiores concentrações de idosos eram marcadas num mapa com uma tinta azul.

E assim nasceu a ideia das blue zones, popularizada pelo escritor e jornalista Dan Buettner. Ele se tornou uma espécie de “guru da longevidade” e está sendo cada vez mais conhecido por uma minissérie documental que entrou na grade da Netflix (Como Viver até os 100).

Jornalista Dan Buettner | Foto: Divulgação/Blue Zones

Buettner localizou cinco “zonas azuis” ao redor do mundo onde a proporção de idosos na população estava bem acima da média. São elas:

  • Ilha de Okinawa (Japão)
  • Regiões da Ilha de Sardenha (Itália)
  • Loma Linda (Califórnia, Estados Unidos)
  • Nicoya (Costa Rica)
  • Ilha de Ikaria (Grécia)

Quem quiser viver mais (e melhor) provavelmente vai ter que mudar alguma coisa em seu estilo de vida. É uma opção.

Foto: Shutterstock
Dez caminhos para um feliz centenário

“Não existe uma receita de bolo para a longevidade”, declarou o neurologista Paulo Porto. “Seu tempo de vida vai depender muito de sua predisposição genética. E também do estilo de vida de cada um.” Mas existem alguns hábitos observados nessas zonas azuis que servem para todos nós. E existe também uma determinação lógica: essas pessoas vivem mais porque vivem bem. E, por viverem bem, querem viver mais. Simples assim. 

  1. Propósito de vida. Vive mais quem sabe para o que está vivendo. Em resumo, é a resposta à pergunta “por que eu acordo?”. Ter um sentido na vida empurra a pessoa para a frente, desenvolve naturalmente nela as condições de saúde necessárias para atingir um objetivo. E não precisa ser algo grandioso, existencial. Tamiko Honda, 90 anos, chega às 7h30 da manhã no McDonald’s para passar uma vassoura e, por três horas, atender aos pedidos dos clientes. É o oposto da aposentadoria ociosa que tantos cobiçam como objetivo final da vida.
  2. Dar um tempo. Ser útil é fundamental para viver muito. Mas sem estresse. O estresse pode matar — e mata. Os que vivem muito sabem fazer intervalos sem culpa em suas tarefas. Pode ser um cochilo, uma oração, um passeio, um relaxamento, outro trabalho mais divertido, uma sessão de ioga, um clipe, um desenho animado. Foco no trabalho é importante. Desfocar de tempo em tempo, também. Até porque o trabalho sai melhor.
  3. Tribo certa. Se você quer viver com saúde, não pode sair todas as noites com fumantes compulsivos e alcoólatras consumidores de salgadinhos industrializados. Conviver com gente saudável e útil reforça a determinação de cada um e serve de apoio a quem pode estar fraquejando no seu propósito.
  4. O que tem para comer? Observando as zonas azuis, seus habitantes consomem vegetais, tofu, legumes, grãos, azeite, frutas, grãos integrais, arroz integral, feijão, massas artesanais. Eventualmente tomam vinhos locais com muita moderação. Uma parcela desses centenários come carne, mas em quantidades pequenas e espaçadas. Um conselho para todas as idades, mas que vale mais para idosos: evite gorduras saturadas e trans, alimentos processados e açúcar em excesso. 
  5. Vida em família. Os mais idosos em Okinawa costumam ter uma vida conjugal estável, se dedicar ativamente ao desenvolvimento dos filhos e a tomar conta de seus antecedentes, em vez de colocá-los numa casa de repouso. Uma família de várias gerações reunidas facilita a troca de experiências e de cuidados amorosos. Crianças que convivem com avós vão aprender a cuidar dos pais quando chegar a hora. 
  6. Exercício natural. Exercícios são fundamentais. Desde que leves, naturais e funcionais. Não se trata de puxar ferro em academia. É uma caminhada vigorosa, cuidar do jardim, dispensar o elevador de vez em quando, brincar com os netinhos, levar o cachorro para passear, dançar em frente ao espelho. Mas é bom, nesse caso, também ter o acompanhamento de um profissional para saber quais áreas do corpo necessitam maior atenção nos exercícios e práticas específicas.
  7. Evite a raiva. O ódio é um dos sentimentos mais autodestrutivos que existem. Ele corrói nossas vidas como um tumor. Esse ódio pode atingir um estado de loucura coletiva por meio das redes sociais. Mesmo a “raiva justa”, movida por posição política, deveria ter um limite, e não se transformar em razão de vida. É muito fácil se viciar em ódio; ele vicia como o crack. Mais saudável é bloquear e se afastar dessas fontes de raiva.
  8. Vida social. Um estudo de 2019 publicado pela National Library of Medicine mostrou que mulheres com vida social vivem 10% mais do que as que vivem isoladas e têm 41% mais chance de chegar aos 85. A vida social cria um senso de realidade para as pessoas, o que não é possível para quem se tranca na solidão e convive com seus fantasmas. Sair com amigos, dar risada, trocar experiências, ouvir conselhos e fazer planos possibilita uma vida mais leve, dá um sentido de aceitação que faz bem a pessoas de qualquer idade. E vida social não significa exatamente ter uma turma. É se comunicar (se rolar um clima) com as pessoas que cruzam nosso caminho todos os dias — do porteiro do prédio ao caixa da padaria e ao motorista do Uber. 
  9. Aprenda coisas novas. “É importantíssimo manter uma atividade cognitiva e intelectual”, disse o neurologista Paulo Pontes. “E principalmente quando for ficando mais velho. É fundamental aprender coisas novas — seja um idioma, um instrumento musical, seja a leitura de livros sobre assuntos pelos quais você nunca se interessou.” Nosso cérebro, como o universo, está em permanente expansão. E nunca na história tivemos tantos recursos tecnológicos para expandir nosso conhecimento e nossa cultura. 
  10. Administre sua saúde. Quanto maior sua idade, mais você precisa administrá-la com a atenção de quem cuida de uma conta bancária. Existe um profissional especializado nisso, que é o geriatra. Ele é quem pode coordenar as diversas especialidades necessárias para uma boa gestão da saúde nessa fase cada vez mais delicada da vida. Mas a responsabilidade é de cada um. Largar passivamente sua saúde nas mãos de parentes ou médicos é uma atitude irresponsável e imatura.
Exercícios são fundamentais. Desde que leves, naturais e funcionais | Foto: Divulgação/Blue Zones

Ninguém com a cabeça no lugar deseja viver para sempre. Mas esticar uma boa vida é compreensível, e um direito natural. A humanidade avançou para que isso fosse possível. Pense que, se você tivesse nascido no meio das pragas e da violência da Idade Média, provavelmente chegaria no máximo aos 35 anos. Conquistamos o direito de viver muito mais. E o importante é saber como viver esse tempo esticado.

Uma história que ilustra muito bem essa busca pela longevidade é a do grego Stamatis Moraitis, apresentado na série Como Viver até os 100. Nascido em Ikaria, aos 22 anos ele se mudou para os Estados Unidos. Virou um pintor de sucesso, construiu família, foi um empresário bem-sucedido. Mas se entregou ao estresse e aos conhecidos maus hábitos alimentares de tantos norte-americanos. Aos 66 anos, Stamatis descobriu que estava com câncer no pulmão. Tinha “poucos meses” de vida. 

Seu destino normalmente seria se internar num hospital e passar o resto de seus dias entubado numa cama, esperando a morte chegar. Mas Stamatis decidiu retornar à sua ilha natal, respirar a brisa do Mediterrâneo, comer seus legumes com azeite e plantar um jardim. O jardim virou um vinhedo que hoje produz 200 litros de vinho por ano. Os “poucos meses de vida” hoje somam 103 anos. Conclusão de Stamatis: “Eu me esqueci de morrer”.

Stamatis Moraitis | Foto: Reprodução/Redes Sociais

Leia também “O mapa do cérebro”

9 comentários
  1. Virginia Wildhagen
    Virginia Wildhagen

    Assisti o documentário Como viver até os 100 e recomendo para todos os meus pacientes. .

  2. Candido Andre Sampaio Toledo Cabral
    Candido Andre Sampaio Toledo Cabral

    Excelente, Dagomir.

  3. Fabio
    Fabio

    Belo texto, Dagô!!!!

  4. Giovani Santos Quintana
    Giovani Santos Quintana

    Cara, eu amo essa revista !!! Só tenho isso pra dizer.

  5. Antonio Carlos Almeida Rocha
    Antonio Carlos Almeida Rocha

    esse é um assunto muito sério. Me interesso por nutrição há pelo menos 30 anos e nao me parece que artigos da The Economist (nao li) e episódios da Netflix (vi o episódio) possam ser fontes primárias para um artigo dessa natureza. Sim, os conselhos são “lugar comum” que podem ser encontrados em qualquer estudo sério, mas daí dizer que a dieta mediterrânea é a panaceia para todos os males e “evitar açúcar em excesso”…sério? leia “como viver bem e melhor” do Linus Pauling (único a ganhar 2 prêmios nobel em categorias diferentes). Metade do livro ele elogia a vitamina C e na outra metade detona o açúcar, principalmente a sacarose. Então, a frase deveria ser mudada para “cortar o açúcar” da alimentação. Por falar nisso, nenhuma menção sobre as vitaminas. Lá em Okinawa, a horta está na frente da casa da pessoa, ou na casa mesmo. Nao há perda de vitaminas pela oxidação, devido ao tempo entre colheita e consumo (morei no Rio de Janeiro por 22 anos somados em 4 ocasiões – apesar da área produtora ser a no máximo 100 km, a distribuição é horrível. O alface já chega murcho na sua casa, o que dirá do conteúdo de vitaminas). Ou seja, ou a pessoa tem uma alimentação completa com produtos saudáveis colhidos e comidos imediatamente, ou toma suplementos vitamínicos…

  6. Antonio Carlos Neves
    Antonio Carlos Neves

    Dagomir obrigado pelo artigo, já iniciei com 1 taça de vinho tinto seco diariamente no almoço há vários anos, e na medida do possível vou tentar aos 78 anos seguir as orientações do pesquisador.

  7. Alcione Magalhães Ferreira
    Alcione Magalhães Ferreira

    Excelente texto.Vou transcrever partes dele para meus irmãos e amigos,idosos como eu.Concordo com tudo que vc diz,sempre procuro tornar minha vida mais leve.Tambem quero comentar com meus filhos, ainda jovens,e que precisam tanto viver com menos estresse.

  8. MARCELO LOPES DE OLIVEIRA
    MARCELO LOPES DE OLIVEIRA

    Vida longa e saudável para o autor deste texto. Obrigado por instruir meus 66 Dezembros. Valeu!

  9. Douglas Bizari
    Douglas Bizari

    Parabéns pela matéria. Este documentário “Como viver até os 100” é muito inspirador.

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