As eleições para os Conselhos Tutelares, realizadas no último domingo, 1º de outubro, foram marcadas pela forte participação dos eleitores, tanto no comparecimento recorde às urnas quanto na divulgação do pleito em redes sociais e grupos de WhatsApp. Segundo o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC), “mais de 1 milhão e meio de brasileiros” escolheram 30,5 mil conselheiros para os mais de 6 mil Conselhos Tutelares espalhados por todo o país.
O que é, e para que serve
O Conselho Tutelar foi instituído pela Lei nº 8.069/1990 — o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) — e é definido como um “órgão permanente e autônomo, não jurisdicional, encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente, definidos nesta Lei”. Ou seja, os conselheiros devem estar atentos a casos de violação como violência física, abuso sexual, abandono parental, entre outras possibilidades. O Conselho não tem prerrogativa de julgar, mas de receber denúncias, de acolher e ouvir crianças e adolescentes e de averiguar situações de desrespeito a seus direitos. Verificado o descumprimento, é seu dever acionar os órgãos públicos competentes, como o Ministério Público, encaminhando o caso.
A atuação dos conselheiros é orientada pelo princípio da proteção integral da criança e do adolescente, pilar central do ECA e contemplado também pela Constituição Federal (CF/88), em seu artigo 227:
“É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”
Todo município brasileiro tem pelo menos um Conselho, e esse número aumenta na proporção de um para cada 100 mil habitantes, ou seja, de acordo com o tamanho da população da cidade. São cinco conselheiros titulares e outros cinco suplentes ocupando cada Conselho, todos eleitos pela população local a cada quatro anos.
Mobilização evangélica causou desconforto
Mas não foi apenas o intenso engajamento da população que marcou as eleições de 2023. O avanço conservador (ou “ofensiva”, para quem os considera uma ameaça) também chamou atenção — e incomodou. Entre os não alinhados à esquerda, o setor que mais se organizou (e acabou bem-sucedido) foi o dos cristãos, em especial os evangélicos.
O Ministério Público Federal (MPF) chegou a pedir “ao presidente do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda)” que informasse “as providências adotadas pelo órgão para prevenir o abuso do poder religioso e garantir a lisura nas eleições para conselheiros tutelares no Brasil”. O “abuso de poder religioso” se refere à veiculação de propaganda dentro de templos religiosos ou ao financiamento de candidaturas por igrejas.
Um vídeo obtido pelo g1 mostra um pastor falando da importância de eleger “alguém de Deus, para que não entre alguém do diabo” nas eleições do Conselho, sem mencionar qualquer candidato. Somente o incentivo ao exercício da cidadania pelos fiéis, de acordo com seus valores.
Já do lado de fora, a câmera escondida “flagra” um jovem (aparentemente, um obreiro) entregando panfletos de determinado candidato enquanto explica, de maneira um pouco atrapalhada (normal para um leigo), as prerrogativas de um Conselho Tutelar. Esclarece também que não podem falar dos candidatos dentro das igrejas e durante os cultos. Ou seja, o vídeo, apesar de veiculado em tom de denúncia, demonstra justamente que os religiosos estavam andando na linha, fazendo o que podiam para ocupar, legitimamente, espaços na esfera pública.
Ainda de acordo com o MPF, sua solicitação tem o objetivo de “que o pleito seja realizado observando princípios constitucionais, como os da liberdade religiosa e da laicidade estatal, ou seja, a separação entre Estado e Igreja”. Vale salientar que Estado laico não se trata de Estado antirreligioso (que feriria exatamente a liberdade mencionada pelo próprio MPF). Portanto, nenhum candidato pode ser intimidado ou discriminado em função da fé que professa e das instituições que frequenta.
Na imprensa, também houve flertes autoritários frente ao avanço conservador. Na segunda-feira 2, Octavio Guedes, comentarista da GloboNews, disse que a atuação do conselheiro tutelar “é um trabalho fantástico, mas do Estado laico”, fazendo a mesma confusão entre laicidade e exclusão de religiosos. “Não tem que levar a sua fé”, sentencia.
As acusações
A respeito dos candidatos com perfil “mais conservador”, o ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida, declarou que não os vê “como problema, muito pelo contrário”, afinal, “é parte da democracia”. O problema, conclui o ministro, “é quando não se tem compromisso com o que a Constituição e o ECA preveem”.
Thiago Brum, conselheiro tutelar mais votado do município de Volta Redonda (RJ), era um desses candidatos com perfil “mais conservador”. Cristão, da Igreja Batista, professor da Fundação de Apoio à Escola Técnica (Faetec) e mestrando na Universidade Federal Fluminense (UFF), Brum é voluntário de ações sociais voltadas para crianças e adolescentes. Para ele, “a expressiva vitória do conservadorismo nas últimas eleições suscitou um desconforto na esquerda” por demonstrar “que a direita existe, está forte, está atenta e conquistando espaços até então completamente dominados por ela”. Um processo de ocupação “que se desenrola desde a década de 1980”.
Qual foi o tipo de acusação que mais receberam nessas eleições? Segundo Brum, além dos temores envolvendo “a laicidade do Estado”, a esquerda afirmava que, nos Conselhos Tutelares, “tentaríamos doutrinar crianças e famílias a seguir estritamente a lei de Deus em detrimento das leis civis, visando a instaurar uma suposta ‘ditadura cristã’.”
Brum vê nessa acusação “a estratégia de desinformação adotada pela esquerda há muitas décadas: ‘Acuse os adversários do que você faz, chame-os do que você é’”. Isso porque, na realidade, são justamente “os conselheiros tutelares de esquerda que frequentemente priorizam agendas ideológicas em detrimento da proteção dos direitos das crianças e adolescentes”. Por exemplo, promovendo “ativamente pautas controversas, como a ideologia de gênero, a linguagem neutra, a luta de classes, a legalização das drogas e a liberação do aborto, buscando disseminá-las e normalizá-las no seio das famílias”.
Agendas racial e LGBT
Ainda que o compromisso do conselheiro tutelar deva ser exclusivamente com a observação dos direitos da criança e do adolescente conforme a Lei (Constituição Federal e ECA), é comum que movimentos sociais, ONGs e grupos ideológicos divulguem candidaturas alinhadas a sua causa. Nos grupos de WhatsApp, por exemplo, circularam links e imagens chamando a população a votar nesses candidatos ideologicamente “temáticos”.
Conselheira mais votada do Rio já pediu impeachment de Bolsonaro
São inúmeros os exemplos, também, de conselheiros tutelares ativos na militância político-partidária. É o caso de Patricia Felix, reeleita na cidade do Rio de Janeiro — a “mais votada da história”, afirma em seu perfil do Instagram, onde também se declara militante do Partido Socialismo e Liberdade (Psol).
No governo Jair Bolsonaro, Patricia assinou, junto a dezenas de políticos, artistas, professores e outros cidadãos, um dos muitos pedidos de impeachment do presidente — no documento, de autoria dos deputados federais psolistas Fernanda Melchionna, Sâmia Bomfim e David Miranda, a correligionária define “conselheira tutelar” como sua profissão. Em outra oportunidade, ela também assinou uma “carta de compromisso” com o Sindicato dos Professores do Município do Rio de Janeiro e Região (Sinpro-Rio), caso fosse eleita conselheira.
O ‘abuso de poder’ que ninguém questionou
O promotor de Justiça João Luiz de Carvalho Botega, membro auxiliar da Comissão da Infância, Juventude e Educação do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), afirmou que “a população deve denunciar” candidatos e/ou apoiadores que tenham cometido irregularidades “como abuso de poder religioso, de poder político ou poder econômico”.
O site A Eleição do Ano apresenta uma “plataforma para você descobrir em quem votar para o Conselho Tutelar da sua regional”, conforme anuncia a página. “Aqui você só encontra candidaturas comprometidas com o ECA e com os Direitos Humanos.”
A iniciativa é creditada a “uma coalizão de organizações de direitos humanos para promover o processo de escolha para Conselhos Tutelares em todo o território brasileiro”. Entre essas organizações, há as que contam com vultosos investimentos nacionais e mesmo estrangeiros, direta ou indiretamente.
Um exemplo é o Instituto Alana, idealizado por Ana Lucia Villela — uma das herdeiras do Itaú — e parceiro de ações sociais desse banco. De acordo com a Gazeta do Povo, o Alana já recebeu recursos do Instituto Clima e Sociedade, que em 2021 ganhou US$ 1,5 milhão da Open Society Foundations, fundação do bilionário húngaro-americano George Soros.
Até onde se sabe, não houve questionamento de órgãos ou agentes públicos a respeito de eventual “abuso de poder econômico” por essas organizações e seus financiadores — externos inclusive —, ao desenvolverem uma plataforma que indica candidaturas com base em seu filtro político-ideológico.
Em vez de esperar por 2026, direita fez o dever de casa
O número de candidaturas para os Conselhos Tutelares associadas à direita, bem como seu resultado excepcional nas urnas, pode ser um indicativo de que esse lado do espectro político-ideológico começa a aprender algo que a esquerda domina há muito: eleições majoritárias são apenas a cereja do bolo.
Mais importante do que eleger um prefeito, governador ou mesmo presidente da República é ocupar espaços na base da representação social, como é o caso do Conselho Tutelar. Vencendo por WO ao longo de décadas, a esquerda agora sente o desconforto de ter que lidar — e disputar — com ideias, pensamentos e valores divergentes.
Com reportagem de Ângela Brito.
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Parabéns a todos eleitos da direita.
EXCELENTE!!! PARABÉNS A DIREITA BRASILEIRA. AUMENTADO A REPRESENTIVIDADE EM TODOS SEGMENTOS DA SOCIEDADE.
Eu nunca vi divulgação dessas eleições antes
Eu, a exemplo de muitos nunca tinham participado como eleitor de uma eleição de Conselho Tutelar.
É um enorme passo para começar a trilhar o caminho que a esquerda pavimentou durante décadas.
Essa esquerda brasileira tá pensando que o povo é robô, a Internet chegou pra desmentir essa esquerdaiada imunda e essa imprensa corrupta
Até que enfim, a Direita está aprendendo com os próprios erros e reagindo.
Tomara que o artigo expresse a verdade dos fatos, fico feliz com o enfrentamento da esquerda pelos conservadores
Antes de ser “direita” ou “esquerda” seja um democrata, lute por liberdade e assim evite defender ditaduras; seja qual for a ideologia política. Tenha maturidade e saiba que é relevante a ‘Interação’ entre ambas ideologias para a saúde da democracia.
– Luan SousaLuan Pensador
José Carlos, concordo contigo quanto a ser um democrata. Discordo quando falas em defender liberdade “seja qual for a ideologia”. Fica a pergunta: que democracia os comunistas/socialistas defendem??? Onde existe/existiu algum país onde o comunismo existe/existiu e que era democracia de verdade.