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Novak Djokovic, durante partida da semifinal contra o italiano Jannik Sinner, em Melbourne, na Austrália | Foto: Ciro De Luca/Reuters
Edição 205

Djokovic: um campeão que não se curvou à militância

O tenista sérvio segue fazendo história diante daqueles que tentaram transformá-lo em vilão por ter se recusado a tomar a vacina contra a covid-19

Anderson Scardoelli
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“Show de simpatia”, “atleta mais ‘gente boa’ do esporte mundial” e um ser humano com a mente forjada em meio à guerra civil que culminou na dissolução da Iugoslávia. Era assim que a imprensa brasileira — e mundial — tratava o tenista sérvio Novak Djokovic. Elogios e mais elogios direcionados para além do que ele desempenhava dentro das quadras.

Do início da carreira ao acúmulo de títulos das principais competições de tênis do planeta — os chamados Grand Slams —, Djokovic era tido como um exemplo a ser seguido. Uma pessoa que, mesmo multicampeã, se destacava pelo bom humor e pela humildade. Combinação essa que ficou eternizada durante partida válida pela primeira rodada da edição de 2014 do Torneio de Roland Garros, na França. Com o jogo contra o português João Sousa interrompido por causa da chuva, o sérvio resolveu trocar de posição com o garoto que estava a postos para a função de pegador de bolas.

Em meio à água que caía sobre Paris, Djoko, apelido pelo qual o tenista também é conhecido, arrancou gargalhadas e aplausos da torcida, mesmo diante da interrupção da partida por causa do mau tempo. Primeiramente, pediu para o pegador de bolas sentar ao seu lado. Na sequência, entregou uma de suas raquetes ao rapaz e fez questão de ele, na ocasião o segundo melhor tenista do mundo, segurar o guarda-chuva. A dupla ainda teve tempo de conversar por cerca de um minuto e brindar com água e isotônico.

A chuva parou, Djokovic venceu a partida contra Sousa e chegou à final do Roland Garros naquele ano, quando perdeu para o espanhol Rafael Nadal. A derrota, no entanto, pareceu ser mero detalhe. Isso porque, para o sérvio, a maior vitória naquela competição ocorrera durante a chuva. “Tivemos que esperar cerca de dez minutos enquanto a chuva caía na quadra”, disse Djoko. “Então pensei que deveria fazer algo e fiz um novo amigo.”

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“O grande ídolo é formado, principalmente, pelos gestos que o aproximam do que há de humano na gente”, afirmou, em artigo publicado em maio de 2014 pelo portal UOL, o jornalista Erich Beting. “Djoko é hoje o cara mais apto a fazer isso no circuito do tênis. No atletismo, Usain Bolt tem também esse magnetismo. Num momento em que o esporte é cada vez mais automatizado pelos gestores de imagem, o sérvio e o jamaicano são lufadas de esperança de que ainda há espaço para ser humano dentro do esporte. Mesmo que o ser humano tente robotizar todas as relações.”

Dos elogios às críticas

Djokovic se manteve como atleta de alto rendimento com o passar dos anos. Colecionou troféus, inclusive o de Roland Garros. Fechou temporadas como o melhor tenista do mundo. A relação com a imprensa, contudo, passou a ser diferente por causa da covid-19. Defensor das liberdades individuais, ele se recusou a receber doses de qualquer tipo de imunizante recém-desenvolvido contra a doença. No início de 2022, ganhou a pecha de antivacina — apesar de o próprio negar desde sempre tal posição. “Nunca fui contra a vacinação”, enfatizou Djokovic, em entrevista ao site da rede britânica BBC, em fevereiro de 2022. “Mas sempre apoiei a liberdade de escolher o que você coloca em seu corpo.”

Defesa essa que trouxe ônus à carreira de Djokovic. A fala dele à BBC não havia se dado por acaso. Semanas antes, ele fora impedido de disputar o Aberto da Austrália. Então oito vezes campeão do torneio realizado em Melbourne (sendo tri em 2019, 2020 e 2021), o sérvio foi proibido de defender o seu legado na edição de 2022. 

A decisão do governo australiano de deportar Djokovic um dia antes do início da competição — e depois de tratá-lo como imigrante ilegal durante dez dias — não ficou restrita ao ambiente esportivo. Causou mal-estar diplomático. Diante do parecer das autoridades da Austrália, políticos da Sérvia se manifestaram em apoio ao atleta. O presidente do país europeu, Aleksandar Vučić, definiu o caso como “caça às bruxas”. A primeira-ministra Ana Brnabić foi ainda mais enfática. Para ela, a deportação foi “desnecessária” e “escandalosa”.

Pela liberdade individual de não se vacinar contra a covid-19, o tenista sérvio ainda foi impedido de disputar três competições realizadas nos Estados Unidos no decorrer de 2022. Tal postura fez com que Djokovic recebesse críticas de parte da imprensa. Correspondente de tênis para o jornal britânico Daily Mail, Mike Dickson chegou a afirmar que Djoko tinha “destruído irremediavelmente a sua reputação”.

Na mira da militância pró-vacina, Djokovic não foi o único atleta de elite a não se imunizar. A lista inclui o norte-americano Kelly Slater, 11 vezes campeão mundial de surfe; o quarterback Aaron Rodgers, campeão da edição de 2011 do Super Bowl (como é conhecida a final da liga profissional de futebol americano dos Estados Unidos); o volante N’Golo Kanté, campeão do mundo pela França em 2018; e o jogador de basquete Kyrie Irving, campeão da NBA na temporada 2015-2016. A recusa em se vacinar fez com que Irving perdesse um contrato de US$ 100 milhões.

Novak Djokovic
O tenista sérvio Novak Djokovic superou a militância que queria obrigá-lo a se vacinar contra a covid-19 | Foto: Reprodução/Instagram/@djokernole
kelly slater
Kelly Slater, 11 vezes campeão mundial de surfe, foi outro atleta que defendeu a liberdade de se imunizar — ou não — contra a covid-19 | Foto: Reprodução/Instagram/@kellyslater
aaron rodgers
O quarterback Aaron Rodgers também decidiu não se vacinar contra a covid-19 | Foto: Reprodução/Instagram/@aaronrodgers12
ngolo kanté
N’Golo Kanté exibe uma das inúmeras taças que conquistou no futebol; ele foi outro atleta de elite a não se vacinar contra a covid-19 | Foto: Reprodução/Instagram
kyrie irving
O jogador de basquete Kyrie Irving não se vacinou contra a covid-19 e perdeu um contrato de US$ 100 milhões | Foto: Reprodução/Instagram/@kyrieirving
Mais conquistas

Alvo de críticas, Djokovic voltou à rotina de títulos ainda em 2022. Ergueu pela quarta vez seguida o troféu de campeão do Torneio de Wimbledon, na Inglaterra, e o ATP Finals, que reúne os oito tenistas mais bem classificados no ranking da Associação de Tenistas Profissionais. As conquistas permaneceram ativas em 2023. Durante o ano passado, o sérvio foi campeão de três dos quatro Grand Slams: Aberto da Austrália, Roland Garros e Aberto dos Estados Unidos. Ele também venceu mais uma vez o ATP Finals e foi vice em Wimbledon.

Dessa forma, o sérvio voltou ao topo dos melhores tenistas do mundo e fez história — para Oeste, foi um dos nomes que marcaram 2023. Com os resultados positivos da temporada do ano passado, Djokovic acumula 24 títulos de Grand Slams. Ao lado da australiana Margaret Court, que jogou nas décadas de 1960 e 1970, é o maior vencedor das principais competições de tênis na modalidade simples (quando o jogo é um contra um).

Aos 36 anos, ele permanece na condição de melhor tenista do mundo neste início de 2024. E com direito a superar a militância, que reapareceu justamente em meio à competição australiana. Prestes a vencer o argentino Tomas Etcheverry na terceira rodada da edição deste ano do Aberto da Austrália, o sérvio ouviu um berro vindo da arquibancada: “Vá se vacinar”. Na quadra, fez o que sabe fazer de melhor: com um ace (ponto de saque), ganhou a partida.

Djokovic se despediu da edição 2024 do Aberto da Austrália na semifinal, quando perdeu por 2 sets a 1 para o italiano Jannik Sinner, que sagrou-se campeão. Mesmo com a derrota, o sérvio segue na primeira posição do ranking da ATP. Detém com folga dois recordes na lista. É o tenista com mais semanas na liderança: 413 até o fim deste mês. Para efeito de comparação, o segundo colocado nesse quesito, o suíço Roger Federer, esteve à frente do ranking por 308 semanas. Djoko também é o maior da história quando o assunto é encerrar um ano na liderança da ATP: oito vezes — o segundo colocado, o norte-americano Pete Sampras, conseguiu o feito em seis oportunidades.

Mesmo com a derrota na semifinal, Djokovic deixou o Aberto da Austrália deste início de ano com a marca de 33 vitórias consecutivas no torneio — tirando a exclusão da edição de 2022, ele não perdia dentro de quadra desde a quarta fase de 2018. Outro recorde na carreira do sérvio, que, para desespero da militância, avisou que seguirá em busca de outros troféus e de um dos poucos títulos que ainda faltam em sua galeria: a medalha de ouro nos Jogos Olímpicos.

O sérvio certamente estará entre os tenistas que participarão dos Jogos Olímpicos de Paris, que serão realizados de 26 de julho a 11 de agosto. Os confrontos de tênis da próxima Olimpíada, contudo, não contarão com a cobertura de Mike Dickson. O jornalista morreu durante o Aberto da Austrália. Aos 59 anos, ele sofreu um mal súbito.

Com a morte de um de seus principais críticos, Djoko teve, mais uma vez, atitude digna de um ídolo. Em vez de ironizar as acusações feitas por Dickson no decorrer dos últimos anos ou reforçar a sua posição pela liberdade de não ser obrigado a se vacinar contra a covid-19, o tenista lamentou. “Condolências à família”, afirmou o sérvio, em postagem em seu perfil no Twitter/X. “Descanse em paz.” Djoko comprova cada vez mais ser um campeão dentro e fora das quadras.

Leia também “A vingança de Djokovic”

6 comentários
  1. Candido Andre Sampaio Toledo Cabral
    Candido Andre Sampaio Toledo Cabral

    Grande atleta. Está marcando sua posição na história do esporte mundial.

  2. Erasmo Silvestre da Silva
    Erasmo Silvestre da Silva

    Essa nova ordem mundial não tem jeito quer eliminar todos dese planeta que eles compraram com uma moeda galaxial

  3. Marcia Andrea Zanatta Estrella
    Marcia Andrea Zanatta Estrella

    Indubitavelmente é o GOAT do tênis, ser humano incrível dotado de grande empatia. Suas atitudes e convicções merecem ser respeitadas, concorde você ou não com elas (eu concordo com seu posicionamento a respeito da “vacina”)

  4. Victor
    Victor

    Simply the best.

  5. Luiz Pereira De Castro Junior
    Luiz Pereira De Castro Junior

    Grande Djoko

  6. Emilio Sani
    Emilio Sani

    mas eu não sei porque tenho a impressão de que nos últimos 2 a 3 anos o número de mortes de ‘mal súbito’ aumentaram bastante, principalmente entre esportistas e jovens ou meia idade, não me lembro de ser tão frequente…mas não leio nada a respeito na imprensa (ex) convencional…deve ser só impressão mesmo…

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