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Foto: Shutterstock
Edição 210

Crianças e smartphones: mantenha a calma

Não, as plataformas de mídias sociais não estão destruindo a vida dos jovens

Joanna Williams, da Spiked
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Precisamos relaxar sobre essa questão das crianças e dos smartphones. Nas últimas semanas, o acesso às redes sociais, sozinho, tem sido culpado pelas crianças deprimidas, obesas, ignorantes, vítimas de abuso sexual e criminalmente violentas. Agora, a parlamentar conservadora Miriam Cates, do Reino Unido, disse que os smartphones estão causando “danos irreversíveis às crianças e à infância”. Ela relaciona as redes sociais ao aumento de “casos de ansiedade, bullying, automutilação e suicídio”. E destacou a plataforma TikTok, de propriedade chinesa, por sua suposta “doutrinação política — alguns podem chamar de lavagem cerebral”. Está ficando engraçado. E isso precisa parar.

Dizem que a infância está em crise. Mas, seja qual for o problema, pelo jeito a causa sempre são os smartphones. E a suposta solução é sempre proibir ou restringir severamente seu uso. Esther Ghey, mãe da adolescente assassinada Brianna Ghey, quer que as crianças tenham acesso a celulares sem aplicativos de mídias sociais e que os pais sejam notificados se o comportamento on-line dos filhos despertar preocupações. No início do mês passado, ela alertou aos chefes de empresas de tecnologia que “mais crianças vão morrer sem que haja alguma ação”. Ian Russell, cuja filha Molly tirou a própria vida tragicamente em 2017, quer mais censura para conteúdo “prejudicial” on-line. Um novo grupo no WhatsApp, “Pais Unidos por uma Infância Livre de Smartphones”, lançado em fevereiro, teve extensa cobertura da mídia.

Agora todo mundo acredita que a infância foi corrompida pelas redes sociais. Tirar o celular, ou limitar severamente seu uso, supostamente vai permitir que as crianças cresçam na inocência e sem preocupações. Mas e se isso simplesmente não for verdade?

Ilustração: Shutterstock
‘Literatura da canalhice’

Preocupações com smartphones são apenas um elemento em uma longa fila de pânicos morais sobre crianças e seu acesso a novas formas de mídia e tecnologia. Antes dos celulares, havia um pânico generalizado de que videogames e CDs de rap estivessem levando a comportamentos violentos. Vamos voltar mais um pouco, e eram os programas de televisão. Em 1997, um criminologista argumentou que até mesmo programas familiares populares, como Gladiators e Blind Date, estavam alimentando uma crescente dependência de violência, sexo e crueldade na vida real das crianças. Antes disso, as pessoas se preocupavam que os quadrinhos fossem moralmente prejudiciais para os menores.

Dois séculos atrás, havia um pânico sobre as crianças terem acesso aos livros baratos e sensacionais ingleses conhecidos como penny dreadfuls, em geral de terror ou góticos, que eram lidos e circulados entre amigos. Um comentarista na década de 1820 os descreveu como “a literatura da canalhice” e os responsabilizou por encher os presídios.

Se voltarmos ainda mais no tempo, até o século 18 houve um enorme pânico sobre romances. Considerava-se que a ficção encorajava a imitação e incutia ideias prejudiciais. Dizia-se que o suicídio do personagem principal em Os Sofrimentos do Jovem Werther, de Goethe (1774), teria inspirado jovens a se matarem na vida real.

Romances também eram tidos como viciantes. Ler esse gênero era considerado uma perda de tempo. Pior ainda, temia-se que eles pudessem prejudicar a visão e a postura de um jovem, além de seus valores morais.

Capa do livro Os Sofrimentos do Jovem Werther, de Goethe (1774) | Foto: Reprodução
Jovens vulneráveis precisam de um celular

Parece bizarro hoje que alguém entraria em pânico porque os jovens estavam lendo romances. Mesmo assim, ao longo dos séculos, muitas das preocupações — como o desperdício de tempo e o prejuízo à visão — continuam as mesmas, independentemente da tecnologia.

Pode ser que as crianças precisem usar as redes sociais para se conectar com os amigos e com o mundo exterior porque os adultos tiraram muitas de suas liberdades da vida real

Outros supostos danos mudaram ao longo do tempo. No passado, havia muito mais preocupação com a depravação moral. Temia-se que as novas mídias estivessem levando os adolescentes a relacionamentos inadequados. Hoje em dia, as preocupações se concentram em ameaças à saúde mental, distúrbios alimentares e automutilação. Deixamos de nos preocupar principalmente com como as crianças se relacionam com o mundo exterior. Agora nos preocuparmos em especial com o que se passa na sua cabeça. Pânicos morais, seja sobre smartphone ou penny dreadful, dizem mais sobre as preocupações da sociedade adulta do que sobre os perigos que qualquer nova tecnologia representa para as crianças.

É interessante que uma das poucas celebridades que falam em favor de os jovens terem smartphones seja Esther Rantzen, fundadora da Childline (site britânico de apoio a crianças). Ela argumenta que os jovens vulneráveis precisam de um celular para buscar ajuda de maneira privada. É revelador que, mesmo em sua defesa dos celulares, ela ainda trate da visão, que hoje está na moda, da infância como um momento de trauma, abuso e transtornos de saúde mental.

Ilustração: Shutterstock
Adultos em pânico

A maioria dos ativistas de hoje acredita que os celulares são a causa dos problemas das crianças. Mas é possível que seja o contrário. Pode ser que as crianças precisem usar as redes sociais para se conectar com os amigos e com o mundo exterior porque os adultos tiraram muitas de suas liberdades da vida real. Em 2013, bem antes de os smartphones se tornarem onipresentes, apenas 25% das crianças iam para a escola sozinhas, em comparação com 86% em 1971. Uma pesquisa de 2021 revelou que a maioria das crianças completa 11 anos antes de poder brincar fora de casa sem supervisão. Essa tendência começou com pânicos sobre “não falar com estranhos” e depois entrou em sobrecarga com os lockdowns da covid-19, que mantiveram as crianças em casa e longe da escola por meses a fio.

Essencialmente, os jovens foram instruídos a ficar em casa só para os adultos entrarem em pânico quando eles recorressem às redes sociais em busca de companhia. Cates reclama que esses “dispositivos estão tendo um impacto prejudicial no aprendizado, nos relacionamentos e na saúde geral dos nossos filhos”. Mas isso coloca a culpa na tecnologia. Em um clima diferente, as crianças podem estar ocupadas demais explorando o mundo lá fora, ou muito envolvidas no aprendizado na escola, para se preocuparem com um celular tocando em seu bolso. Se as crianças tivessem liberdade para estabelecer relacionamentos reais mais fortes, ou estivessem envolvidas com novos conhecimentos que as tirassem de seu próprio mundo interior, seria muito mais fácil ignorar os celulares.

É correto que as escolas mantenham os celulares fora da sala de aula para que as crianças possam se concentrar no aprendizado. E os pais com certeza devem dizer aos filhos para guardar o celular quando acharem necessário. Mas o uso que uma criança faz do celular deve ser uma questão para professores e famílias, não para ministros do governo ou para a lei.

Os adultos precisam se controlar, parar com a histeria contra os smartphones e inspirar as crianças a querer interagir com o mundo real.


Joanna Williams é colunista da Spiked e pesquisadora visitante do Mathias Corvinus Collegium (MCC), de Budapeste

Leia também “A revolta contra o capitalismo woke

4 comentários
  1. Candido Andre Sampaio Toledo Cabral
    Candido Andre Sampaio Toledo Cabral

    Na minha opinião, o uso ou não, e sua dose, por parte de uma criança e seu celular, só remete a duas pessoas, o pai e a mãe.

  2. Eduardo Jose de Almeida
    Eduardo Jose de Almeida

    Faz tempo que não lia uma matéria tão ruim por estar tão desconectada da nossa realidade. Argumentos horríveis para justificar o que acredita. Talvez real na terra da colunista, mas não no Brasil.

  3. Patricia Padilha
    Patricia Padilha

    A matéria ignora os malefícios para o desenvolvimento intelectual de crianças expostas a celulares desde tenra idade, há inclusive atraso na fala, dificuldade de socialização, influência no desenvolvimento cognitivo, a matéria trata criança e adolescente da mesma forma, ignora o desenvolvimento mental do ser humano, suas etapas evolutivas e necessidades!!

  4. Capt Gottlieb
    Capt Gottlieb

    O problema não são os celulares e sim dos pais e educadores que dão pouca atenção à educação das crianças e adolescentes. Muitos pais querem que as escolas ensinem comportamento e responsabilidade aos seus filhos e isto é função deles e da família. A função da escola é fornecer conhecimento e socialização. Um smartphone nas mãos de uma criança com pais presentes e responsáveis é uma maravilhosa ferramenta. Caso contrário será uma tragédia.

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