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Manifestações do Dia da Independência | Foto: Montagem com fotos de Josemar Gonçalves/AGIF e Agência de Fotografia//Estadão Conteúdo
Edição 77

Horror sem fim

Se diante desse povo todo nas ruas, a narrativa oficial vai insistir em tratá-lo como um bando de lunáticos fascistas, como haverá possibilidade de contemporização?  

Rodrigo Constantino
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Quem tem certa idade há de lembrar do filme A Guerra dos Roses, de 1989, em que Michael Douglas e Kathleen Turner interpretam um casal que decide se divorciar após quase duas décadas junto. O problema é que ambos desejam permanecer com a luxuosa mansão em que vivem, sem ceder um milímetro sequer. Permanecendo no mesmo local, uma guerra se inicia para um tentar expulsar o outro. Em vez de um fim horroroso à união, eles optam por um horror sem fim.

Divórcios podem se tornar brigas bem feias mesmo. Não obstante, creio que a imensa maioria prefira colocar um ponto final quando não há mais nenhuma possibilidade de convívio amigável e civilizado a permanecer preso num inferno sem nenhuma perspectiva de término. Por mais traumática que seja uma ruptura definitiva, ela ainda parece melhor do que o castigo imposto por Zeus a Prometeu, que amanhecia com seu fígado regenerado apenas para ser devorado novamente pela águia por toda a eternidade.

Muitos temem uma ruptura institucional no Brasil. Lamento informar, mas ela já ocorreu. Não temos um Supremo Tribunal Federal que atua como guardião da Constituição, mas sim uma Corte em que alguns membros praticam o mais escancarado ativismo político, promovendo censura, perseguição, intimidação e até prisões arbitrárias. O país mergulhou num estado policialesco, e isso tem ligação direta com a postura de certos ministros, que mais parecem um partido de oposição ao presidente Bolsonaro, eleito com quase 58 milhões de votos.

Milhões de brasileiros foram às ruas nesse feriado do 7 de Setembro externar essa revolta, pedir liberdade e clamar por respeito à Constituição. A imprensa, igualmente militante, chamou o ato de “antidemocrático”, fingiu não ver a multidão presente nas principais cidades e rotulou como golpista o evento inteiro. Patriotas com suas famílias em verde e amarelo cobrando respeito às leis passaram a representar uma ameaça à democracia, enquanto socialistas de vermelho pedindo ditadura do proletário viraram democratas.

Está tudo invertido em nosso país. E os ministros supremos, como já ficou claro, não vão recuar, e sim dobrar a aposta. Mergulharam demais nesse ativismo, e pela postura intransigente de Bolsonaro, que conta com amplo apoio popular e garante que só sai morto dali, fica claro que um dos lados terá de vencer esse cabo de guerra, o que significará para o outro uma derrota fatal. Quem piscar primeiro está fora da casa!

Seria um caso único na história de impeachment por excesso de apoio popular!

Os moderados pedem diálogo, mas infelizmente ele parece inviável. “Não é possível discutir racionalmente com alguém que prefere matar-nos a ser convencido pelos nossos argumentos”, alertou Karl Popper. O filósofo liberal acrescentou: “Não devemos aceitar sem qualificação o princípio de tolerar os intolerantes, senão corremos o risco de destruição de nós próprios e da própria atitude de tolerância”. É um truísmo, mas o problema é quando cada lado encara o adversário como o intolerante. Se essa é a premissa, a guerra parece inevitável.

Ora, se, diante desse povo todo nas ruas, a narrativa oficial vai insistir em tratá-lo como um bando de lunáticos fascistas, como haverá possibilidade de contemporização? O que já ficou claro para muitos é que o “sistema” simplesmente não aceita a existência política da direita conservadora. O lado de lá deseja simplesmente exterminar a existência dos conservadores. É uma luta pela simples sobrevivência, pela liberdade básica de existir e se manifestar. Não há mais escolha. É como Churchill profetizou sobre o esforço de apaziguamento com nazistas: tiveram de escolher entre a desonra e a guerra, escolheram a desonra, e terão a guerra.

Leandro Narloch, um liberal moderado e crítico de Bolsonaro, escreveu na Folha de S.Paulo: “É fácil tomar como loucos e inebriados por fake news os brasileiros que chamam o STF de vergonha nacional. Mais difícil é fazer uma autocrítica e admitir que diversos ministros do Supremo tomaram atitudes para lá de vergonhosas”. Ele diz que os abusos e as ilegalidades do Supremo dão força ao bolsonarismo, suas decisões políticas reavivam um apoio mesmo de quem já começava a se arrepender ou abandonar o barco.

Diante do mar de gente nas ruas, o establishment achou adequado subir o tom e falar em impeachment, não de Alexandre de Moraes, mas de Bolsonaro! Seria um caso único na história de impeachment por excesso de apoio popular! A elite esquerdista quer uma democracia de gabinete, sem povo, mas resta combinar com este, que se recusa a ficar em casa calado. Se forem adiante com um golpe escancarado desses, acham mesmo que aquela multidão toda vai engolir passivamente o sapo barbudo? Teremos uma convulsão social, quiçá uma guerra civil mesmo. Alguns parecem torcer pelo pior, para finalmente apontarem alguma medida autoritária concreta do presidente, até aqui jogando dentro das quatro linhas da Constituição — ao contrário de seus adversários.

A multidão nas ruas dificultou o possível golpe da urna eletrônica. A esquerda errou ao convocar manifestação no mesmo dia, pois ficou evidente demais o contraste entre ambas. Como alguém vai acreditar que o ex-presidente corrupto tem uma vantagem tão grande nas pesquisas, observando seu apoio minguado e inexpressivo, enquanto Bolsonaro arrastava milhões pelo Brasil todo? Em desespero, querem derrubar já Bolsonaro ou torná-lo inelegível. Mas acham mesmo que o povo vai tolerar isso?

“Sob um governo que aprisiona qualquer pessoa injustamente, o verdadeiro lugar do homem justo é na prisão”, constatou Henry David Thoreau, autor de Desobediência Civil. “Se uma lei é injusta, um homem está não apenas certo em desobedecê-la, ele é obrigado a fazê-lo”, defendeu Thomas Jefferson, um dos pais fundadores da América. “Ninguém é obrigado a cumprir ordem ilegal, ou a ela se submeter, ainda que emanada de autoridade judicial. Mais: é dever de cidadania opor-se à ordem ilegal; caso contrário, nega-se o Estado de Direito”, escreveu em seu voto no STF o relator ministro Mauricio Corrêa, em 1996.

Esticaram demais a corda? Isso é o mínimo que dá para dizer. Muitos acham que ela já se rompeu. Enquanto o povo tomava as ruas para pedir liberdade e respeito às leis, Moraes determinava nova ordem de prisão ao jornalista Oswaldo Eustáquio e detinha de forma irregular o americano Jason Miller no aeroporto para horas de interrogação. Qual o crime ou a suspeita de crime do CEO da rede social Gettr, que foi ao Brasil participar do CPAC, o maior evento conservador do mundo? Resposta: apoiar “atos antidemocráticos”. Como Moraes, assim como a imprensa, considera todo ato a favor de Bolsonaro como antidemocrático, fica claro que qualquer um dos milhões de brasileiros ali presentes pode ser detido para prestar esclarecimentos. Diabos, até uma conversa de bar pode render inquérito policial agora, se o tom das críticas ao ministro for elevado demais!

No dia seguinte ao gigantesco ato bolsonarista, o ministro Fux se dirigiu ao povo brasileiro. “Eu conclamo os líderes desse país que se dediquem aos reais problemas do nosso povo: a pandemia, que ainda não acabou, o desemprego, a inflação e a crise hídrica”, disse o ministro. Quantos votos teve Fux para decidir pelo povo quais as suas prioridades? Seria impensável um justice da Suprema Corte americana se dirigir ao povo falando em nome do povo e apontando as prioridades do povo, pois juiz constitucional não tem representatividade popular, não é essa sua missão. Mas nossa mídia encara Fux como um estadista.

Não pode restar dúvidas: os “donos do poder” querem Bolsonaro fora do poder. Eles contam com a imprensa em geral, com sindicatos, com ONGs, com a ditadura chinesa, como o STF, com artistas e intelectuais. Eles só não têm mesmo o povo ao seu lado. Este está em peso ao lado de Bolsonaro. E essa elite declarou guerra ao povo. Não se deseja um fim horroroso. Mas é preciso ser realista: a alternativa é um horror sem fim.

Leia também “Os cúmplices de Castro”

18 comentários
  1. MARCOS HONORIO BELLUZZO
    MARCOS HONORIO BELLUZZO

    Ótima análise ! Isso mesmo, ordem ilegal não devemos cumprir. Triste mesmo é essa velha imprensa ser tão podre e porca.

  2. Daniel
    Daniel

    ” Se uma lei é injusta, um homem está não apenas certo em desobedecê-la, ele é obrigado a fazê-lo” – esta afirmação de Thomas Jefferson é toda a verdade. E tem nove no STF que gostariam de mandar prendê-lo hahaha.

  3. FRANCISCO JOSE GONCALVES
    FRANCISCO JOSE GONCALVES

    Bolsonaro só perde a eleição se for na fraude mesmo! A velha imprensa faz um papel vergonhoso e pedir para cancelar assinaturas de jornais e revistas! Ótimo texto.

  4. Robson Oliveira Aires
    Robson Oliveira Aires

    Ótimo texto. Mas tive a impressão que assim como o Guzzo, o Constantino parece que tolera, mas não aceita o governo do presidente Bolsonaro. Como disse: foi a impressão que tive.

  5. Roberto Fakir
    Roberto Fakir

    Acho que o povo não foi para as ruas por causa de Bolsonaro. Foi para as ruas por causa do STF. E quando Bolsonaro ARREGOU, arregou porque não é burro e sentiu isso no dia 8. Bolsonaro foi apenas um catalisador da insatisfação. Todo o povo brasileiro já percebeu que estamos em uma ditadura de toga contra QUALQUER conservador liberal ou liberal conservador. Quase tudo que o texto trás é verdade, só que é difícil o povo sozinho brigar contra a mídia, Congresso, STF, Febraban, Fiesp, Bolsonaro, Lula, Doria, Aziz, Pacheco, Psol, etc. O povo ainda vai se rebelar, não é o Bolsonaro, ou se calando ou provocando uma guerra civil vagarosa, cansativa e dolorosa. Tofis vão perder. Alguns vão perder a vida e outros já perderam até a vergonha. Por enquanto o STF está apostando na vergonha da subserviência do povo. Bolsonaro por enquanto só quer sobreviver.

  6. Antonio Carlos Neves
    Antonio Carlos Neves

    Parabéns Constantino pela clareza de interpretação do que foram as manifestações pró governo Bolsonaro e pela liberdade de expressão, que entendo seriam maiores não fosse ainda o longo feriadão e os temerosos pela gravidade da pandemia que ainda nos assusta. Todavia, penso que Bolsonaro não se rendeu não, mas sim percebeu que a grandiosa manifestação deu condições de negociação que jamais haveria sem ela. Entendo que haverá reciprocidade do poder que se julga SUPREMO e dos políticos FERNANDISTAS que não tem o caráter do ex presidente Temer, único ex presidente que aprecia o governo Bolsonaro como seguidor das reformas por ele iniciadas e por ter entendido que Bolsonaro vem sofrendo de seu discípulo Moraes e do iluminado Barroso, o mesmo que ele sofreu com os ativistas petistas Fachin e Barroso para desestrutura-lo com a forjada e fajuta delação premiadíssima do JOESLEY e do inquérito dos portos.
    Precisamos urgentemente tornar PAUTA de futuras manifestações a redução de no mínimo 1/3 das casas legislativas nacionais e a somente 1 inútil senador por Estado.
    Para que 3 inúteis Randolfes por Estado?

  7. Marcelo Gurgel
    Marcelo Gurgel

    O Presidente Bolsonaro mostrou que o povo está com ele, agora chegou a hora de recuar para que o establisment deixe ele governar e procurar atender as necessidades do povo.

    1. Juarina T M P
      Juarina T M P

      Exatamente, estamos precisando de um pouco de paz.

  8. Ruth Malzoni
    Ruth Malzoni

    Só não entendi como foi calculado o número de manifestantes na Av. Paulista no dia 7 de Setembro… Alguém poderia me explicar por que na Parada Gay foi dito que tinham 2 milhões de pessoas e no dia 7 tinham só 125 mil?? As fotos e filmagens da Paulista são praticamente idênticas nas duas datas!

  9. Henrique Brigatte
    Henrique Brigatte

    Excelente artigo, Constantino.

  10. Luiz Antônio Alves
    Luiz Antônio Alves

    Tchê. Grande comentário, mais uma vez. O Fux foi uma decepção. A torcida por Juízes concursados para o STF teve uma derrota! E olha que já roda pelas redes sociais o arquivo terrivelmente revelador com vídeos de petistas pedindo o pescoço de juízes e ministros do STf, além do fechamento da instituição… e nunca houve reação contra esses demagogos e imperialistas comunistas. Também roda vídeos contra o próprio Fux, como aquele do Zé Dirceu colocando o ministro numa armadilha semântica… O povo está vendo tudo e está contra as decisões arbitrárias e manipuladas muito antes do Bolsonaro. O STF não está percebendo que o povo quer mudanças no sistema judiciário há muitos anos, desde a longa história do delegando prendendo e o juiz soltando… O caso de hoje é mais cruel, pois para uns a justiça, para os inimigos o que resta de alternativas não republicanas e democráticas. A liberdade foi atacada pelo STF sim. Não há dúvida.

  11. Francisco Antonio Gonçalves Pereira
    Francisco Antonio Gonçalves Pereira

    Excelente. Parabéns.

  12. SILVIO TADEU DE AVILA
    SILVIO TADEU DE AVILA

    Pois é. Mas Bolsonaro – quiçá em acatamento a cálculo meramente utilitarista – desapontou milhões ao açular a sociedade a protestar, para depois engolir tudo o que vem dizendo do establisment, fazendo uma declaraçãozinha fajuta de acomodação, praticamente pedindo perdão ao telefonar ao luciferista Alexandre de Moraes, e abandonando na estrada os tantos apoiadores seus, que amargam, como vítimas, reiteradas ofensas ao estado de direito.

  13. Martha De Gennaro
    Martha De Gennaro

    Digo gente inteligente, mas não esclarecida.

  14. Martha De Gennaro
    Martha De Gennaro

    Excelente artigo. E como tem gente esclarecida que ainda não enxerga um palmo adiante do próprio nariz!

  15. Valton Sergio von Tempski-Silka
    Valton Sergio von Tempski-Silka

    NUNCA FICOU TÃO EVIDENTE!
    Grupos isolados nos Poderes constituídos consideram o povo como “golpista”, insurreto e potencialmente ameaçador, mantendo inalterada a cultura original de distanciamento praticada pelos “déspotas esclarecidos”, camuflando o poder absoluto mascarado por um falso estado de liberdades individuais, circunscrevendo toda a população no status das etnias indígenas condenadas à eterna infância por leis de tutela federal, que impedem aos seus integrantes o exercício da cidadania plena.

    1. Erasmo Silvestre da Silva
      Erasmo Silvestre da Silva

      Tá parecendo uma brincadeira de perdeu ganhou. O tempo de ladrão da Nação já passou

  16. Andre Felipe Moreira Montezano
    Andre Felipe Moreira Montezano

    Excelente resumo Constantino, a tristeza é como parte relevante da população prefere a submissão total ao autoritarismo judicial do STF e cultural da esquerda governadores, prefeitos , mídia, profissionais do ensino, intelectuais e artistas, abrindo mão de sua liberdade para evitar conflitos e acabam vivendo e submetendo a todos este horror sem fim que já existe faz anos no Brasil, mas que agora se expôs devido à reação crescente dos conservadores no Brasil.

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