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Foto: Revista Oeste/Shutterstock
Edição 81

A patrulha das ideias tomou conta das universidades

Uma das disciplinas exige que os estudantes concordem em reconhecer que sua culpa pessoal é um ponto de partida útil para superar preconceitos inconscientes

Frank Furedi
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As universidades costumavam reconhecer que sua missão era ensinar os estudantes a pensar, em vez de instruí-los sobre o que pensar. Hoje em dia, elas parecem ter esquecido essa distinção. Na verdade, as universidades parecem considerar que seu papel é doutrinar os alunos com ideias de culpa branca ou privilégio branco. Em vez de chamar isso de ensino superior, vamos pensar em reeducação superior.

Em muitos casos, os novos estudantes universitários têm pouca escolha além de participar dos chamados treinamentos, que tentam modificar seus comportamentos supostamente maus. Na Universidade de Kent, por exemplo, o corpo discente teve de fazer um “curso de diversidade”, que argumenta que usar roupas de segunda mão e falar palavrões podem ser exemplos de “privilégio branco”. A disseminação de ideias tão frívolas está aliada ao projeto de fazer os estudantes se sentirem culpados por ser brancos.

Um dos exemplos mais insidiosos desse tipo de reforma das ideias pode ser encontrado na Universidade de St. Andrews, que não permite que os estudantes se matriculem se não “passarem” em diversos módulos compulsórios sobre sustentabilidade, diversidade e consentimento — nos quais eles precisam “concordar” com certas afirmações.

Um módulo exige que os estudantes concordem em “reconhecer” que sua “culpa pessoal é um ponto de partida útil para superar preconceitos inconscientes”. Aqueles que não concordam recebem uma nota baixa. Se um estudante dá muitas respostas erradas, ele ou ela são reprovados no módulo e precisam refazê-lo.

Estudantes sem dúvida aprendem bem rápido que os treinadores que oferecem esses cursos não estão preparados para lidar com visões dissidentes, então inevitavelmente acabam se censurando. Afinal, esses cursos são elaborados para impor um conjunto de valores que não pode ser questionado.

O elemento de coerção nesses cursos obrigatórios viola o princípio da liberdade acadêmica. A imposição de uma ideologia oficial pode ser aceitável em um seminário católico ou uma madraça islâmica. Mas, se uma instituição de ensino não permite que seus estudantes tirem suas próprias conclusões sobre questões controversas, ela não pode, de boa-fé, se considerar uma universidade livre.

Esses cursos efetivamente funcionam como um instrumento de patrulhamento de ideias. Ao se referir a eles como cursos de treinamento, a administração tenta criar a impressão de que está oferecendo aos alunos fatos e conhecimento objetivo. Mas não está. Boa parte do que é promovido sobre questões de gênero, raça e assim por diante ainda está sendo fortemente debatida. Esses cursos não são educativos — eles estão tentando forçar os estudantes a se submeter a uma determinada política da casa.

Muitos desses módulos existem há mais de uma década. Mas, se antes costumavam ser voluntários, agora são tratados como obrigatórios.

O objetivo é livrar os jovens de perspectivas e atitudes “antiquadas” das comunidades em que cresceram

Alguns anos atrás, fiquei horrorizado ao descobrir que instituições de ensino superior estavam forçando seus novos estudantes a fazer “aulas de consentimento”. Em 2019, a Universities UK, o órgão que representa essas instituições, relatou que algumas universidades estavam obrigando os jovens a fazer aulas de consentimento on-line antes mesmo de se matricularem em seus cursos. As universidades deixaram claro que, se os alunos não cumprissem esse requisito, suas inscrições seriam canceladas.

Programas de integração costumam se concentrar em questões práticas, como usar a biblioteca e os laboratórios. Não é mais esse o caso. Hoje esses programas têm como objetivo doutrinar os estudantes, fornecendo a eles a visão de mundo oficial e aprovada pelos especialistas.

A prática da reforma das ideias e da reeducação foi historicamente usada pelo Partido Comunista Chinês para livrar a sociedade de sentimentos reacionários e arcaicos. Um impulso semelhante motiva os defensores do “treinamento” obrigatório nos campi hoje em dia. O objetivo é livrar os jovens de perspectivas e atitudes “antiquadas” das comunidades em que cresceram.

Claro, essa reforma das ideias nas universidades britânicas prefere maneiras sutis de coerção, em vez do terror e da força violenta da Revolução Cultural. Portanto, ela pode ser combatida e desafiada sem colocar a vida de ninguém em risco ou enfrentar uma reação violenta. O perigo, no entanto, é que a reforma das ideias nos campi de hoje se torne mais coercitiva no futuro. O momento de confrontar e expor esse projeto insidioso é agora, antes que seja tarde demais.


Frank Furedi é professor emérito de Sociologia na Universidade de Kent, na Inglaterra.
100 Years of Identity Crisis: Culture War Over Socialisation, o mais recente livro de Frank Furedi, foi publicado pela De Gruyter, em 2021

Leia também “O boicote ao pensamento”

16 comentários
  1. Aquiles Ferreira Nobre
    Aquiles Ferreira Nobre

    Bem lembrado por lá: “A prática da reforma das ideias e da reeducação foi historicamente usada pelo Partido Comunista Chinês para livrar a sociedade de sentimentos reacionários e arcaicos”.
    Por aqui: temos um alfabetizado funcional, pedindo a Deus pela sua reeleição, para assim poder, implantar aqui o modelo político chines. Digamos algo assim, Meu Deus! deixe-me tonar todos ateus e burros, amém…

  2. Marilza Rodrigues
    Marilza Rodrigues

    Amostra grátis de comunismo

  3. Fernando B. Monte-Serrat
    Fernando B. Monte-Serrat

    Lamentavelmente, as universidades em todo o mundo estão perdendo a característica de albergue da diversidade de ideias e de formação de pensadores, e caminhando para um extremismo intolerante de esquerda que não aceita ser contraditado.

  4. Paulo Alencar Da Silva
    Paulo Alencar Da Silva

    Lá vou eu de novo! Artigo fundamental para conhecimento e informação aos pais e à sociedade de maneira geral. ROGO QUE OESTE O LIBERE PARA DIVULGAÇÃO. É importantíssimo que o encaminhemos para familiares e amigos.

    1. Sebastiao Márcio Monteiro
      Sebastiao Márcio Monteiro

      No final do texto são oferecidas diversas opções de compartilhamento do texto. Confira.

  5. Robson Oliveira Aires
    Robson Oliveira Aires

    Ótimo, brilhante, excelente texto. Parabéns.

  6. Marcelo Gurgel
    Marcelo Gurgel

    Preocupante

  7. ERANDIR BARROSO DE SOUSA
    ERANDIR BARROSO DE SOUSA

    As Universidades estão a cada dia perdendo espaço de serem um lugar de debate de ideias.

  8. marise neves
    marise neves

    Dormimos em 31/12/2019 e amanhecemos no dia 01/01/2020 num grande inferno que nossas vidas se transformaram

  9. Valdinei Soares De Oliveira
    Valdinei Soares De Oliveira

    Esta doutrinação já existe atualmente no ensino superior do Brasil. Pode-se formar em uma universidade sem nunca estudar um autor conservador, sequer para criticá-lo. A doutrinação é compacta, sem a menor fissura. Forma-se nesta doutrina progressista juristas, médicos, professores e profissionais de todas as áreas. O setor pedagógico passaria brilhantemente em qualquer teste em um país comunista.

  10. Vania L Cintra
    Vania L Cintra

    Só para aborrecer. E só por exemplo: não haveria uma forma de redigir a assertiva “Se um estudante dá muitas respostas erradas, ele ou ela são reprovados…” em bom e escorreito Português e sem expor de maneira tão explícita o “reconhecimento” de uma “culpa pessoal como ponto de partida útil para superar preconceitos inconscientes”? Ah, que haveria, haveria. Com toda a certeza haveria, sim! Mas que fazer, além de apontar — por compulsão, e bem sabendo que isso apenas aborrece quem leu e não percebeu — que até a crítica às patrulhas escorregará no que essas mesmas patrulhas vêm exigindo? Que fazer, hã? Que fazer?

  11. Raul José De Abreu Sturari
    Raul José De Abreu Sturari

    O caminho natural será a perda do valor do diploma.
    Para que serve, hoje, um diploma?
    As Instituições de Ensino Superior (IES) nada mais são do que “cartórios” que atestam as competências de seus formandos.
    Com essas bobagens, muitas empresas dos países desenvolvidos simplesmente ignoram o diploma e testam o que o aspirante ao cargo realmente sabe, se dispõe das habilidades e se tem atitudes que o recomendam.
    E as EIS serão relegadas ao ostracismo.

  12. Gerson Bergamin
    Gerson Bergamin

    Nada mais é que a aplicação pura, simples e direta da Teoria Crítica da Escola de Frankfurt mesclada com a Hegemonia Cultural de Antônio Gramsci.

    A Teoria Critica promove a idéia de que se você imbecilizar o aluno, ou a pessoa, dizendo que tudo o que ele faz e pensa é errado e mau, ele se sentirá tão pequeno que jamais vai ter coragem de questionar qualquer ordem ou instrução ou sequer mesmo ter a coragem de pensar por si próprio e ter as próprias idéias.

    Gramsci com a Hegemonia Cultural vai também nesta linha ao afirmar que você não precisa convencer todo o povo de uma nação para impor um regime socialista. Basta que você tenha ao seu lado, o que é fácil de se obter com benesses concedidas, formadores de opinião como a mídia, lideres religiosos, lideres de comunidades e a ala da cultura e do ensino.

    É para isso que serve as nossas universidades, imbecilizar os alunos e inserir com a ajuda dos professores uma consciência marxista/socialista em suas cabecinhas ôcas !

  13. Mauro Maretto
    Mauro Maretto

    A decadência da civilização ocidental é assombrosa! Os comunistas chineses, russos e o mundo islâmico devem estar se regozijando com toda essa patacoada.

    1. Roberto Fakir
      Roberto Fakir

      CPI das Universidades Federais neles. Kkkkkk. Hoje para entrar numa Federal tem que aprender a plantar maconha no fundo do Campus. Isso é o mínimo.

  14. Anamelia Oliveira De Souza
    Anamelia Oliveira De Souza

    Esse texto deveria ser lido e debatido em todas as universidades no Brasil. Deveria servir como um informe precioso sobre como a esquerda tenta dominar ideologicamente a nossa juventude.

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