Na última semana, o presidente Jair Bolsonaro anunciou a criação do programa Auxílio Brasil, que distribuirá R$ 400 mensais para 17 milhões de famílias em situação de pobreza até dezembro do ano que vem. Para tirar a proposta do papel, o ministro da Economia, Paulo Guedes, teve de pedir ao Congresso Nacional uma licença para gastar R$ 30 bilhões fora do teto constitucional de gastos — regra fiscal que limita o avanço das despesas do governo à inflação.
A medida provocou enorme gritaria. O presidente foi acusado de aplicar um truque nas contas públicas para colocar em pé uma espécie de bolsa eleitoreira. Paralelamente, houve uma debandada do ministério de um grupo de auxiliares diretos de Paulo Guedes, entre eles Bruno Funchal, secretário especial do Tesouro e Orçamento, e Jeferson Bittencourt, secretário do Tesouro Nacional. A fervura aumentou.
A despeito de divergências na condução da política econômica para tentar socorrer o brasileiro que foi forçado a ficar em casa durante a pandemia, é preciso fazer alguns apontamentos sobre o Orçamento da União. Trata-se de uma peça estimada em R$ 2 trilhões. Agora imagine poder manejar só 6% (menos de R$ 100 bilhões) desse montante para obras de infraestrutura e políticas públicas? É o que acontece no Brasil. Todo o restante está comprometido para arcar com despesas obrigatórias — pagamento de salários de servidores, aposentadorias e encargos da dívida pública.
A Edição 55 da Revista Oeste já mostrava como o Orçamento é uma peça engessada e inviável. “É um hino ao inexequível, um tributo à insensatez, um laudatório de desrespeito à legislação, visto que não cabe ao Congresso deliberar sobre o que é atribuição exclusiva do Executivo”, escreveu o economista Ubiratan Jorge Iorio, colunista de Oeste. “Trata-se, em suma, de um monstro que vai paralisar o governo.”
Em busca de alternativas
Numa encruzilhada para manter o teto de gastos e acudir a população miserável, o Palácio do Planalto enviou ao Congresso uma proposta para parcelar o pagamento de precatórios — termo que se refere a dívidas da União com pessoas físicas, jurídicas, Estados e municípios reconhecidas pela Justiça. Pelo texto, serão pagos R$ 40 bilhões de precatórios no próximo ano, menos da metade do valor originalmente calculado pelo Executivo, de R$ 89 bilhões.
Esses novos recursos contribuirão parcialmente para o custeio do Auxílio Brasil. A outra parte das receitas virá justamente da modificação na âncora fiscal do país, que ainda precisa ser aprovada pelos parlamentares. Atualmente, o teto de gastos é corrigido pela variação do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) registrado em 12 meses até junho. A proposta em tramitação pede que o período apurado para a correção inflacionária seja de janeiro a dezembro. Como a inflação deste ano atingiu patamares mais altos, o governo terá à disposição mais dinheiro para gastar. Na regra atual, o teto de gastos é estipulado em R$ 1,61 trilhão. Com a nova regra, passaria para R$ 1,64 trilhão.
Compromisso fiscal
Segundo Alan Ghani, professor do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper) e economista-chefe da Sarainvest, a manobra para viabilizar o Auxílio Brasil não significa que o Executivo abandonou o compromisso fiscal. “Houve violação do teto de gastos, mas as condições fiscais e os dados de arrecadação federal estão melhores que o esperado”, explicou. “Em um momento de extrema necessidade, em que a pobreza aumentou a olhos vistos, faz sentido prolongar o auxílio por mais tempo, até porque o desemprego segue alto no país.”
A União recolheu R$ 146 bilhões em agosto, o melhor desempenho para o mês desde 1995. Nos oito primeiros meses de 2021, a arrecadação federal soma R$ 1,19 trilhão — uma alta de 23% acima da inflação. A elevação de receitas motivou a equipe econômica a melhorar a projeção do déficit primário neste ano. De acordo com o Relatório Bimestral de Avaliação de Receitas e Despesas, a estimativa de resultado negativo passou de R$ 155 bilhões para R$ 139 bilhões.
É com base nesse controle de despesas que Guedes fundamenta o pedido de licença para gastar R$ 30 bilhões acima do teto de gastos com o financiamento do Auxílio Brasil, que deve pagar R$ 400 por mês aos beneficiários.
Problema mundial
A medida de caráter emergencial ocorre na esteira da crise econômica mundial provocada pela pandemia. Com a disseminação da doença, os países restringiram o funcionamento das empresas e a circulação de pessoas, levando muitos negócios à falência. “Como consequência, milhares de cidadãos ficaram desempregados e sem renda para sustentar suas famílias”, observou Ghani, em artigo publicado na Edição 81 da Revista Oeste.
Nos Estados Unidos, por exemplo, aventa-se a possibilidade de violação do teto de gastos para conter os danos causados à economia local devido à desestruturação da cadeia produtiva. “Sem a elevação do teto, o país ficará com recursos limitados e terá o primeiro default de sua história, o que gerará crise e recessão”, disse, em discurso no Senado, a secretária do Tesouro, Janet Yellen. “É necessário evitar um evento catastrófico. Minha esperança é que vamos trabalhar junto com o Congresso para evitar um desastre.”
Na China, que acumulou crescimentos sucessivos na última década, a situação não está melhor
A União Europeia (UE) também não está livre da crise. De acordo com o órgão de estatística Eurostat, o bloco registrou recessão de 0,6% no primeiro trimestre deste ano. Esse novo tropeço econômico pressiona os países da região a manter as regras fiscais suspensas em 2022, ano em que os impactos da pandemia ainda serão observados. Embora a economia da UE tenha crescido 2,2% no segundo trimestre, não há expectativa de diminuição dos gastos em políticas públicas. “A União Europeia não repetirá o erro cometido depois da última crise financeira, quando um rápido retorno à austeridade fiscal fez com que o continente entrasse em recessão”, prometeu a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen.
Na China, que acumulou crescimentos sucessivos na última década, a situação não está melhor. O país asiático sofre com os efeitos da crise energética, com o baque do setor imobiliário e com as constantes interrupções na cadeia de abastecimento, que ocorreram em razão da pandemia. No terceiro trimestre deste ano, o país cresceu 4,9%, ante alta de 7,9% no trimestre anterior. De acordo com o The Wall Street Journal, a queda mais acentuada acontece especialmente em decorrência da redução de estímulos fornecidos pelo governo para superar a crise sanitária e do controle de empresas do setor privado.
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Ótimo artigo.
Meu problema com programas sociais é que os governos deveriam ter meta pra ACABAR com eles, por falta de usuários. Como diria Reagan, “o melhor programa social é um bom emprego”. É isso que temos que buscar. Temos que ficar felizes quando os beneficiários do programa são REDUZIDOS e não quando aumentam!
Concordo plenamente.
Sugiro ao Edilson Salgueiro, que faça urgente matéria com o auxilio da diretoria financeira da Petrobras, sobre a composição dos preços da gasolina e do diesel nas bombas para até levar a muitos jornalistas, economistas e políticos, quem são os participantes desse custo e quais são os vilões. Vou exemplificar com recente constatação que fiz no site da Petrobras a respeito do preço da gasolina nas bombas em levantamento de 17 a 23/10:
DESCRIÇÃO R$
preço médio bomba 6,37
distribuição/revenda 0,68
ETANOL ANIDRO * 1,10
ICMS 1,72
cide/pis (imp.fed.p/lt.) 0,69
PETROBRAS * 2,18
Podemos concluir nessa tabela que quem PRODUZ combustível é a estatal Petrobras (gasolina pura) e os usineiros privados (etanol anidro) que totalizam R$3,38 no custo e o ICMS que NADA produz leva R$1,72 ou 51% do custo de produção para seus governadores. É necessário ensinar o governador do Piauí, líder do consórcio de governadores.
* O PÚBLICO e os JORNALISTAS precisam ainda ser informados que esses valores representam 73% de gasolina pura e 27% de etanol anidro, que compõem a gasolina comum nas bombas. Dai concluímos que a Petrobras vende o litro de gasolina à R$2,99 (R$2,18/0,73)e os usineiros a R$4,07 (R$1,10/0,27), ou seja o litro de álcool anidro é mais caro que o da gasolina. Sem qualquer juízo de valor , por que será que só a Petrobras é considerada o vilão da inflação pela imprensa e políticos deste pais?
Obrigado pela mensagem, Antonio. Estaremos vigilantes.
O pior disso não ser aprovado é a volta ao nefasto passado quando nosso pais era saqueado e nossas estatais davam prejuízo, e neste ano só a Petrobras além de R$170 bilhões de tributos, pagará para seu acionista controlador (UNIÃO) mais de R$30 bilhões em dividendos. Infelizmente nossa classe politica enlouquecida, questiona a Petrobras como vilã da inflação, que desnorteia até o presidente Bolsonaro, que acaba cometendo o equivoco de dizer que a Petrobras é um problema, quando a Petrobras não é o vilão mas sim a solução. O importante é o governo utilizar esse recurso para subsidiar o combustível (diesel) que move o transporte público e das atividades produtivas para não nos deixar faltar abastecimento. Alguém imagina o que aconteceria com a Petrobras, Eletrobrás e outras estatais se Ciro Gomes ou Lula fossem eleitos?
Dar esmolas para sempre nunca foi a solução ideal para acabar com o desemprego
Dar dinheiro para as pessoas nao é solucao para a pobreza. Os pobres deste pais recebem o bolsa familia há quase 20 anos e continuam pobres. Melhor seria utilizar essa montanha de dinheiro fazendo creches e escolas de tempo integral. O que muda a vida das pessoas é o conhecimento, a formacao profissional e intelectual, nao o dinheiro. Alem disso, sabe-se que esses beneficios nunca terminam. O país passará a eternidade pagando o auxilio brasil. Ainda: quem arca com o maior custo disso? A classe média, que, por fim, empobrece.
Ótimo artigo. O autor foi preciso na apresentação do “monstrengo” e a comparação com outras economias. Mas, maior ênfase deveria ser dada à questão política que deixa nossa terra arrasada, como sempre. Economia e Política, queira ou não qualquer teoria acadêmica, são irmãs siamesas, o dualismo da sociedade, o verdadeiro e o falso, o bem e o mal.