Com a retomada das atividades do Legislativo depois do fim do recesso parlamentar, um dos temas que aparecem no topo da lista de prioridades do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), é a reforma tributária. Apresentado no fim de junho pelo governo, o projeto foi alvo de uma série de críticas de setores do empresariado e acabou sofrendo algumas alterações feitas pelo relator da proposta na Casa, deputado Celso Sabino (PSDB-PA) — clique aqui para relembrar os principais pontos da reforma e as modificações feitas pelo relator.
Na semana passada, Sabino anunciou outra mudança no texto, definindo que as empresas optantes do Simples Nacional permanecerão isentas da tributação sobre lucros e dividendos — um dos pontos mais controversos do projeto. O Simples é um regime tributário diferenciado que pode ser adotado por micro e pequenas empresas e permite o recolhimento unificado de tributos.
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A reportagem de Oeste ouviu economistas e especialistas a respeito da proposta de reforma apresentada pelo governo, do texto substitutivo do relator e das perspectivas de aprovação ainda este ano no Congresso. A avaliação predominante é que o projeto frustrou as expectativas de uma verdadeira reforma no sistema tributário brasileiro, embora tenha pontos positivos.
“Ajustes pontuais que não contemplem a reforma do sistema tributário como um todo, abrangendo tributos federais, estaduais e municipais, não resolvem o problema do Brasil, que tem alta carga tributária, um emaranhado de legislações de diversos tributos e um sistema tributário regressivo que penaliza os mais pobres e promove a desigualdade social”, avalia a advogada Silvana Visintin, sócia da Visintin Consultoria Empresarial.
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Richard Edward Dotoli, sócio da área tributária do escritório Costa Tavares Paes Advogados, doutor em direito tributário pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e professor na Fundação Getúlio Vargas do Rio (FGV-RJ), afirma que houve “falta de diálogo” em torno dos eixos centrais do texto. “Faltou articulação. O governo Bolsonaro poderia, no primeiro ano, já fazer um ajuste na tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física [IRPF]. Isso não é culpa do governo Bolsonaro, claro. A tabela do IR é um problema desde sempre porque o governo deixa de fazer as atualizações. Aumenta a tributação se escorando na inflação.”
‘Injustiça tributária’ e o Simples Nacional
O economista Samuel Pessôa, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), afirma que a proposta originalmente apresentada pelo governo era melhor do que o texto modificado pelo relator. “Há um fenômeno no Brasil: as altas e altíssimas rendas pagam relativamente pouco imposto. Se você pegar o IR, conforme a renda aumenta, a alíquota média vai subindo, mas quando você chega aos mais ricos, essa progressividade deixa de existir. Este é um problema de justiça distributiva que ocorre no Brasil. É real”, explica.
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Pessôa aponta justamente o Simples Nacional como um dos responsáveis pelo que chama de “desigualdade horizontal” na tributação. “Esses regimes especiais fazem com que haja o que a gente chama de desigualdade horizontal. Pessoas fazendo as mesmas coisas e, dependendo do tipo de contrato que elas têm, vão pagar de 40% de IR até 10% ou 5%. Uma pessoa contratada via CLT que ganha R$ 100 mil por mês paga 42% de imposto: 27,5% da tabela progressiva e uma contribuição para a Previdência que é de quase 20%”, diz. “Se for um advogado que trabalha em um escritório e está no Simples, vai pagar 6% ou 7%. Se for numa ‘pejotinha’, paga 11%.”
Segundo ele, é necessário “tributar de algum forma a distribuição de dividendos das ‘pejotinhas’ e do Simples para corrigir um pouco essa injustiça tributária”.
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“A maior distorção é o Simples. É advogado pagando 6% ao mês de imposto enquanto o CLT paga 42%. Qual é a justiça disso? Fazer uma reforma de imposto de renda da pessoa jurídica e não tratar desse problema… prefiro não fazer. Não vai ter nenhum ganho. É escandaloso aprovar uma reforma do IR sem tributar a distribuição de dividendos de empresas do Simples”, completa Pessôa.
Para Dotoli, por sua vez, a manutenção das empresas do Simples como isentas da taxação de lucros e dividendos tem o aspecto positivo de tirar “um pouco da pressão de um setor da sociedade que se organizou”. “É legítimo o cidadão organizar sua vida profissional de forma que economize pagando o mínimo de tributo possível, dentro da legalidade”, afirma.
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O grande risco, segundo ele, é que um problema seja minimizado no curto prazo, mas gere distorções ainda maiores mais adiante. “O governo sabe que os negócios acabam ficando limitados por esse tipo de tributação. Em vez de se criar uma progressão da tributação, você tem um abismo. As pessoas vão fazer de tudo para se manter no Simples. Vão fazer as maiores barbaridades que a gente pode imaginar, inclusive ilegalidades. Você agrava a distorção”, prossegue. “Não sou contra a ‘pejotização’. Pelo contrário: várias dessas ‘pejotizações’ em algum momento desembocaram no desenvolvimento de um negócio maior.”
Taxação de lucros e dividendos
Em relação à contestada tributação sobre lucros e dividendos, Silvana lembra que se trata de uma “tendência mundial”. “Embora o Brasil seja atualmente um dos poucos países que não tributam dividendos, esta opção se deu em 1995 em troca da concentração da tributação do lucro na pessoa jurídica, como forma de antecipar e dar maior previsibilidade à arrecadação”, recorda. “Para alterar esse cenário, é importante avaliar a tributação global dos lucros da empresa, hoje com uma carga aproximada de 34%, de forma a equalizar com a volta da tributação dos dividendos”, aponta.
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Imposto de renda
Dotoli chama atenção para a necessidade de uma reforma mais “gradual”. “Não se altera uma legislação do IR que está razoavelmente estabilizada desde 1996 com uma destruição total do sistema. Ela [legislação] é imperfeita, precisa de ajustes. Então, vamos fazer esses ajustes pequenos e graduais”, avalia. “Não são todas as faixas que tem problema com IR. Por que a gente não vai atrás dessas faixas?”
Perspectivas no Congresso
Os especialistas entrevistados por Oeste convergem em pelo menos um ponto: o governo federal terá dificuldades para aprovar a reforma tributária no Congresso ainda este ano — e o texto pode sofrer novas modificações. “Existe um desafio enorme para o governo negociar com o Poder Legislativo, e aí o Sabino vai ter um grande trabalho à sua frente, para colocar uma proposta que seja harmonizada por todos”, diz Dotoli.
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Indagado sobre as mudanças feitas pelo relator no texto original, Pessôa afirma que “está tudo muito ruim” e compara com a tramitação da medida provisória (MP) que abriu caminho para a privatização da Eletrobras — aprovada pelo Congresso e sancionada por Bolsonaro com alterações.
“Não tem clima para reforma [tributária]. Há uma chance muito grande de acontecer com esse projeto o que aconteceu com o da privatização da Eletrobras. A MP que foi para o Congresso era correta e o texto que foi aprovado é uma porcaria. Pelo que foi aprovado, era melhor não privatizar a Eletrobras”, critica.
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Na minha opinião, como tudo depende do congresso, teríamos que fazer urgentemente a reforma política ( votei na última eleição para deputado federal em um candidato que tinha boas ideias mas, não se elegeu porque não estava “pendurado” p/ex. em um tiririca).
Somente depois, reforma administrativa e por último reforma tributária para valer.