Enviado especial de Oeste a Buenos Aires | A Argentina chegou às eleições gerais deste ano com uma das piores condições econômicas de sua história. As principais variáveis macroeconômicas estão todas no vermelho.
Inflação em três dígitos, dólar disparando, reservas internacionais negativas, pobreza em alta e Produto Interno Bruto (PIB) em queda livre. O governo peronista liderado pelo presidente esquerdista Alberto Fernández entrega para seu sucessor, independentemente de quem for, uma Argentina economicamente devastada.
A inflação é, sem dúvida, o principal problema econômico da Argentina neste momento. Nos primeiros nove meses do ano, chegou a superar os 130%. A perspectiva para o fim de 2023 é de chegar em 180%.
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Em setembro, a inflação foi de 12,7%. Para outubro, a previsão é que termine com uma alta de 11% nos preços.
Peso argentino não vale mais nada
No caso do dólar, o peso perdeu muito rapidamente seu valor frente à moeda norte-americana.
Desde o início do ano, o peso argentino foi a moeda que mais perdeu valor no ranking de 23 países emergentes, levando em conta o câmbio oficial.
O mais surpreendente da questão é que isso ocorreu ao mesmo tempo em que as demais moedas dos países latino-americanos foram as que mais se valorizaram no mesmo período.
O peso colombiano, o peso mexicano e o real brasileiro foram as moedas que lideraram este ranking.
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O problema é que o câmbio oficial do dólar está sideralmente longe do câmbio real. O mais próximo da realidade, entre os mais de 14 câmbios existentes na Argentina, é o chamado “dólar blue“.
Se o câmbio oficial, fixo com o dólar, está em 350 pesos, o dólar blue supera os 1,3 mil pesos. No começo do ano, o dólar blue valia por volta dos 300 pesos.
Nas últimas semanas antes das eleições, o governo Fernández tentou limitar artificialmente a alta do dólar blue por meio de uma dura repressão cambial.
Foram levadas adiantes repetidas operações nas casas de câmbio da City de Buenos Aires. Presos cambistas e sequestrados centenas de milhares de dólares.
Além disso, o Banco Central da Argentina começou a “queimar dólares” por meio swaps cambiais, injetando no mercado cerca de US$ 4 bilhões em poucos dias.
Terminou, assim, as últimas reservas internacionais que possuía em seus cofres, empréstimos da China ou de entidades como o Banco Andino de Fomento (CAF), obtido com a ajuda do governo Lula.
Os argentinos não confiam mais em sua moeda. Quem pode converte diariamente em dólares seus salários ou rendimentos recebidos em pesos.
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Quem não tem acesso ao sistema de câmbio paralelo, geralmente as camadas sociais mais pobres, sofre com a perda de poder de compra muito rápida da moeda local.
Segundo estimativas do governo, os argentinos teriam cerca de US$ 264 bilhões em contas no exterior ou guardados em casa. Mas há estimativas que mostram esse número por volta dos US$ 500 bilhões.
Também por isso, o candidato liberal na disputa pela presidência, o deputado Javier Milei, declarou que o peso vale menos do que “excrementos”. Ele prometeu dolarizar o país.
A dolarização da poupança e a retirada de fundos do sistema financeiro local é uma dinâmica que há anos condiciona a economia argentina.
A acumulação de sucessivas crises económicas, choques fiscais e inflacionários, confiscos de depósitos, alterações cambiais, déficits fiscais, emissões maciças de dinheiro e perda de poder de compra configuram um cenário de desconfiança em relação ao sistema financeiro local e enfraquecimento do peso.
Para a maioria dos argentinos, o peso não cumpre mais sua função de reserva de valor e refúgio para poupanças.
Argentina tem reservas em dólares negativas
A Argentina não possui mais reservas internacionais em dólares. O Banco Central do país tem em seus cofres formalmente cerca de US$ 20 bilhões. Entretanto, as reservas líquidas, ou seja, sem contar os empréstimos obtidos ou os dólares já empenhados em operações futuras, estão negativas em US$ 7,7 bilhões.
A severa seca que atingiu o país acabou afetando as exportações argentinas, concentradas nos produtos agrícolas. A balança comercial sofreu com uma redução de US$ 21 bilhões em venda de produtos para o exterior que não ocorreram.
O PIB também vai ser duramente atingido este ano. Segundo dados do Indec, o IBGE argentino, o país vai acabar 2023 com uma recessão de 3%. Dessa forma, a Argentina se tornará o país latino-americano que menos crescerá neste ano.
O efeito imediato dessa situação é o aumento da miséria. No primeiro semestre do ano, 40,1% dos argentinos estavam abaixo da linha de pobreza. E 10% da população, mais de 4 milhões de pessoas, são considerados indigentes.
Argentina, um país tecnicamente quebrado
No caso das contas públicas, o país está — mais uma vez — tecnicamente quebrado.
A dívida pública está em 76,27% do PIB. Um nível abaixo do brasileiro, mas é preciso considerar que os juros na Argentina foram elevados para 133% ao ano. O que deixa insustentável o pagamento da dívida.
Além disso, depois do resultado das primárias mostrar o favoritismo de Milei, o ministro da Economia e candidato governista, Sergio Massa, lançou um “pacote de bondades” chamado de “Plan Plantita“, com uma série de medidas de populismo econômico.
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Entre as ações anunciadas por Massa na reta final da campanha para manter a esquerda no poder estão:
- congelamento do preço dos combustíveis;
- redução do imposto de renda sobre o salário para quase toda população da Argentina;
- e outras benesses.
O custo desse pacote poderia superar 1% do PIB local.
A previsão dos analistas é que a Argentina registre um déficit fiscal de mais de 3% do PIB este ano. O acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI) era que o rombo nas contas públicas não superasse 1,9%.
No ano passado, o déficit tinha sido de 4,1%. A Argentina tem um longo histórico de contas públicas que fecham no vermelho. Nos últimos 13 anos, somente em um ano a contabilidade pública argentina fechou no azul.
Mas a grande incógnita da Argentina é sua dívida externa, que chegou a US$ 276 bilhões. Desse montante, cerca de US$ 40 bilhões foram contraídos com o FMI. E, neste momento, a Argentina não tem condição de honrar com seus compromissos internacionais.