Em dezembro de 2019, um mês antes de o coronavírus surgir na China, o Brasil tinha 46 mil leitos de Unidades de Terapia Intensiva (UTI). Em julho de 2022, dado mais atual disponível pelo DataSUS, a oferta saltou para 60,5 mil. Com a pandemia, houve um ganho de cerca de 30% nas vagas. E o número de leitos, agora, se distribui de maneira praticamente igual entre o Sistema Único de Saúde (SUS) e a iniciativa privada.
Um levantamento realizado por Oeste mostra, entretanto, que uma barreira ainda precisa ser superada. Proporcionalmente, a disponibilidade desses leitos segue desigual nas cinco regiões do país. Basicamente, quanto mais pobre a região, pior a proporção da oferta de vagas.
Saúde é o tema escolhido por Oeste nesta sexta-feira, 19, dentro da série de reportagens “Desafios do Brasil”, que será publicada até o dia 30 de setembro, sempre seguindo a seguinte ordem de temas na semana: segunda-feira (Educação), terça-feira (Economia), quarta-feira (Agro e Meio Ambiente), quinta-feira (Justiça e Segurança Pública) e sexta-feira (Saúde). Veja aqui as reportagens do projeto Desafios do Brasil.
Oferta de UTI: diferença persistente
A média nacional, em dezembro de 2019, era de 219 leitos de UTI por milhão de habitantes. No Norte, região mais pobre do Brasil, eram 134 vagas desse tipo para cada milhão. Enquanto isso, no mesmo período, esse número estava em 273 na Região Sudeste. O dado mostra que, na porção com o maior Produto Interno Bruto, a disponibilidade de leitos de UTI por morador era duas vezes maior em comparação à mais pobre.
Os dados revelam que essa disparidade ficou menor em julho de 2022 — a média nacional fechou em 284. Mas ainda existe um longo caminho entre os dois extremos. O Sudeste, no dado mais recente, registra 340 vagas de UTI por milhão de habitantes, ao mesmo tempo em que no Norte são 185 na mesma proporção.
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É verdade que a diferença reduziu de duas vezes para 1,8. Mas o saldo de vagas por habitante pós-covid na Região Norte continua menor que o número disponível antes da pandemia na Região Sudeste e na também média nacional.
Em meio à virada de chave durante a dispersão do coronavírus, governadores e prefeitos, com o apoio de verbas federais, deram início a uma abertura sem precedentes na quantidade de vagas de UTI disponíveis em todo o país. A pressão atingiu tanto o SUS quanto os hospitais privados.
Explosão nos gastos
Em 2019, os investimentos federais com saúde somaram R$ 115 bilhões. O Orçamento de Guerra, aprovado pelo Congresso Nacional no começo da pandemia em 2020, inflou os recursos. No ano passado, essa despesa subiu para R$ 160 bilhões — aumento em torno de 40%. Os gastos federais com UTI para reforçar o combate à covid-19 bateram R$ 10 bilhões em 2021. Os recursos disponíveis, contudo, são temporários e, caso haja sobras a serem investidas por Estados e municípios depois, precisam ser devolvidos aos cofres da União depois de 31 de dezembro deste ano. Atualmente, ainda há, segundo os cálculos do Conselho Nacional de Saúde (CNS), R$ 2 bilhões a serem investidos.
A entidade pediu ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), medidas a fim de que o recurso possa ser mantido. Contabilizando apenas a verbas federais destinadas à manutenção hospitalar, o montante investido no ano passado fechou em R$ 70,3 bilhões. Um incremento próximo de 25%, em comparação aos R$ 57 bilhões de 2019.
Em julho de 2021, o Brasil chegou a ter mais de 80 mil vagas de UTI, de acordo com o DataSUS. Ou seja: 383 vagas por milhão de habitantes. Considerando apenas os leitos do SUS, eram 234 para cada milhão.
Nesse período da pandemia, o Norte bateu 250 vagas por milhão de habitantes. Desse modo, mesmo durante esse intervalo, as vagas seguiram bem menores que a proporção de leitos de UTI no Sudeste antes da explosão causada pela covid-19.
Não é só no Norte
De modo geral, toda a Região Centro-Sul (Sul, Sudeste e Centro-Oeste) apresenta números melhores que os do restante do país no que diz respeito à distribuição de leitos em relação ao número de habitantes. O Nordeste, por exemplo, tem 222 leitos de UTI para cada milhão de habitantes.
Nessa mesma proporção, o Centro-Oeste tem 350 e o Sul 260 vagas. Em dezembro de 2019, eram 256 e 218 vagas, respectivamente. No Nordeste, o número ficava em 153 antes de o coronavírus chegar.
Dificuldade para manter leitos de UTI
Carlos Lula, ex-presidente do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), comentou as dificuldades para manter os leitos de UTI. Em entrevista a Oeste, ele disse que o custo de cada vaga chega a R$ 2,5 mil por dia.
Ex-secretário de Saúde do Estado do Maranhão, Carlos Lula reconhece que houve um aumento na disponibilidade de leitos durante a pandemia, e que parte deles acabou sendo incorporada pelo SUS. “Algo histórico”, destaca. Porém, ele alerta para as dificuldades de financiamento dessas vagas.
“Temos um problema de custeio para manter os leitos, mas conseguimos um avanço junto ao Ministério da Saúde”, explicou. “Parte dos leitos criados durante a pandemia entrou no custeio ordinário do Ministério da Saúde. Mas fazer saúde é caro. Dez leitos de UTI, quantidade mínima para manter uma sala operacional, custam aproximadamente R$ 750 mil por mês. Esse valor é inviável para a maior parte dos municípios do Brasil.”
Ele explica ainda que a maioria dos gastos para manter os leitos de UTI é com a mão de obra. “Basicamente, entre 60% e 70% da verba de hospital é usada para custear os médicos e outros profissionais de saúde”, comenta. Além disso, também existe o gasto com medicamentos e equipamentos.
Umas das grandes preocupações do ex-presidente do Conass é que a estrutura gerada durante a pandemia “vá parar no almoxarifado” por falta de recursos. “A população tem a necessidade de utilizar esses equipamentos e precisa de leitos de terapia intensiva.” Ele afirmou ainda que nos Estados com o maior déficit de UTI, localizados nas Regiões Norte e Nordeste, a iniciativa privada não conseguiu dar a resposta necessária durante a pandemia.
Turma do MAS aqui não, né? rsrs