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Apoiadores do candidato Gustavo Petro comemoram depois que ele venceu o segundo turno das eleições presidenciais em Cali, Colômbia | Foto: Andres Quintero/AP/Shutterstock
Edição 118

A última trincheira

O avanço da esquerda no continente faz do Brasil, principal economia do cone sul, um ponto de resistência na luta pela liberdade

Silvio Navarro
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A última reportagem de capa de Oeste no ano passado tinha como título “América vermelha”. Alertava, em dezembro, para o avanço da esquerda como nunca no continente. Colômbia e Brasil eram as últimas trincheiras contra o populismo e o fim da liberdade na América Latina. Seis meses depois, só resta o Brasil.

No domingo passado, o ex-guerrilheiro Gustavo Petro foi eleito presidente da Colômbia, tingindo ainda mais o mapa geopolítico de vermelho. Esta é a primeira vez que a esquerda chega ao poder num território marcado por décadas de derramamento de sangue no combate a narcoguerrilheiros e cartéis de drogas. A Colômbia registra em páginas tristes da sua história nomes como o do megatraficante Pablo Escobar, das Farc (Forças Armadas Revolucionárias) e do M-19 (Movimento 19 de Abril).

É por participar do violento M-19 que Gustavo Petro ficou conhecido. Ele fazia parte do grupo, que surgiu na década de 1970, como outros tantos formados por jovens marxistas pelo mundo. Logo entrou no radar das autoridades, pelo uso de pistolas e fuzis. A fama do bando armado começou em 1974, na invasão do Museu de Bogotá, para roubar a espada de Simón Bolívar, um dos líderes da independência do país. Anos depois, quando Pablo Escobar resolveu se meter na política, a espada foi parar nas mãos dele. Seu filho, Juan Pablo, já afirmou que brincava com ela quando criança.

“A esquerda precisa cativar jovens idealistas que não têm memória do que aconteceu no passado”

O M-19 foi responsável por uma série de sequestros que terminaram em mortes. O episódio mais trágico ocorreu em 6 de novembro de 1985. A imagem retratada na primeira temporada da série Narcos, da Netflix, mostra um tanque do Exército posicionado diante do Palácio da Justiça — o STF colombiano. Dentro do prédio, estavam 35 terroristas em conluio com o cartel de Medellín. Cem pessoas morreram, entre elas 11 magistrados. Pablo Escobar queria eliminar documentos. O M-19, tomar o poder.

Os “meninos” de Lula

Para o Brasil e a economia global, a chegada de Gustavo Petro à Presidência assim como a de Gabriel Boric (uma espécie de Guilherme Boulos tatuado) no Chile pouco importam. São economias pequenas, pouco industrializadas e incapazes de competir com a produção agrícola de Mato Grosso, por exemplo. O que tem incomodado grande parte da sociedade é o radicalismo dessa ofensiva em bloco contra quem se opõe ao tal “progressismo”.

É como se fosse obrigatório estar engajado à agenda da esquerda para andar no compasso do mundo atual — isso inclui linguagem neutra (o “todes” e suas esquisitices, que não constam no dicionário), feminismo exacerbado, LGBT, “racismo estrutural”, etc. A coisa piora quando essa cartilha esbarra em minimizar o banditismo. Chamou a atenção, por exemplo, o primeiro discurso de Gustavo Petro depois de eleito: “Quanta gente morreu, quantos estão presos neste momento? Quantos jovens acorrentados e algemados, tratados como bandidos simplesmente porque tinham esperança e amor?”. Ele se referia a homens que foram parar na prisão por sequestros e assassinatos.

“A esquerda precisa cativar jovens idealistas que não têm memória do que aconteceu no passado”, afirma Gustavo Segré, analista político e consultor econômico argentino. “Por exemplo, da corrupção. No caso de Petro, esses jovens só se lembram de que ele foi prefeito de Bogotá, mas não que foi guerrilheiro.”

Os jovens de Petro não são diferentes dos “meninos” citados recentemente pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em mais uma desastrosa fala eleitoreira de improviso. Ao lado do senador alagoano Renan Calheiros (MDB), contou que pediu ao então presidente, Fernando Henrique Cardoso (PSDB), em 1998, que libertasse os sequestradores do empresário Abílio Diniz, em greve de fome na cadeia.

“Fui na cadeia, no dia 31 de dezembro, conversar com os meninos e falar: ‘Olha, vocês vão ter de dar a palavra para mim, vocês vão ter de garantir pra mim que vão acabar com a greve de fome agora e serão soltos”, disse Lula. “Eles respeitaram a proposta, pararam a greve de fome e foram soltos. E eu não sei onde eles estão agora.”

https://www.youtube.com/watch?v=HidaF-QB-38

Lula disse não saber qual foi o destino dos “meninos”. Um deles matou um vigilante de banco no Chile em abril de 2020. Está preso.

O caminho para a revolução

São nessas manifestações que os líderes de esquerda latinos se parecem. Lula já lamentou publicamente a prisão de jovens por furtos de celulares. E escorregou ao dizer que o presidente Jair Bolsonaro “não gosta de gente, gosta de policial”. Uma das bandeiras de campanha do colombiano Petro era “acabar com a abordagem do proibicionismo” em relação às drogas.

O advogado e ex-deputado chileno José Antonio Kast afirma que seu país segue na mesma direção. Ele perdeu as últimas eleições para Gabriel Boric. “O Estado de Direito tem de fazer valer a lei, ou a impunidade prevalece”, disse Kast a Oeste. “Não é só o narcotráfico que vai crescer, mas o mesmo se aplica ao ladrão de carros: se não for punido, no próximo assalto vai agredir o condutor. Se o militante ‘progressista’ acha que pode bloquear estradas porque nada vai acontecer, ele começa a incendiar e depredar.” O político conclui: “Começam a enxergar que é o caminho para uma revolução”.

Gabriel Boric, atual presidente do Chile, chegou a ser levado para uma delegacia em 2005. Foi fichado por furto, ao sair com um vidro de álcool escondido de um supermercado em Punta Arenas. Incendiar praças e vias públicas foi uma das marcas dos protestos que terminaram em vandalismo no Chile antes das eleições.

O consórcio sem juízo

Os discursos da legião de governantes latinos de esquerda e seus apoiadores ainda sugerem a ampliação de relações diplomáticas com as ditaduras da Venezuela, Nicarágua e Cuba. Também é uníssona a narrativa de que os mandatários de direita estão depredando a Amazônia. No Brasil, é pior. A essa, somam-se acusações de que o presidente Jair Bolsonaro estimula a criminalidade na área de selva e promove genocídio de índios. A agenda ambiental, devidamente manipulada, desponta como a favorita dessa geração que vota pela primeira vez.

Com exceção de Equador, Uruguai e Paraguai, democracias com pouca expressão global, a vizinhança tem outros movimentos de esquerda em curso. O principal deles foi a vitória de Andrés Manoel López Obrador num plebiscito para esticar seu mandato na Presidência mexicana até 2024. Na Argentina, nem a miséria nas ruas de Buenos Aires nem a inflação galopante de 60% tiram a hegemonia do “kirchnerismo socialista”, atualmente representado por Alberto Fernández.

México e Argentina são bons exemplos de países onde a imprensa hoje paga o preço por ter apoiado candidatos populistas de esquerda. O tiro saiu pela culatra. López Obrador não só tenta silenciar a imprensa local como tem aversão aos correspondentes estrangeiros de jornais norte-americanos, mesmo os alinhados à esquerda. Já atacou publicamente o New York Times e o Washington Post. Cristina Kirchner, a vice-presidente que manda de fato na Argentina, ficou famosa por tentar fechar jornais que a investigam — o Clarín foi o pior caso, mas não o único. A caçada é descrita no livro A Batalha Final de Cristina, do jornalista Daniel Santoro.

A América do Sul vermelha

Tentar regular os meios de comunicação depois de eleito foi uma marca nos países vizinhos. Poderia servir de alerta ao Brasil, não fosse a militância sem maquiagem das redações da velha imprensa, unidas em um consórcio político sem juízo. Apesar das críticas diárias à mídia tradicional, o fato é que Jair Bolsonaro não tentou calar articulistas que desejam sua morte em páginas de jornais nem repórteres que acham normal chamá-lo de fascista e genocida. Paralelamente, o consórcio também aplaude a censura imposta pelo Supremo Tribunal Federal (STF) a canais de direita na internet.

Em 2004, o governo brasileiro cancelou o visto do correspondente Larry Rohter, do New York Times. Tentou duas vezes estabelecer ferramentas de censura à imprensa, pelas mãos dos ministros Franklin Martins e José Dirceu, ambos ex-guerrilheiros de esquerda. O presidente era Lula — o candidato do consórcio.


Com reportagem de Cristyan Costa

Leia também “Imprensa em campanha”

16 comentários
  1. Dinarte Francisco Pereira Nunes de Andrade
    Dinarte Francisco Pereira Nunes de Andrade

    Seria mais interessante um ensaio que tentasse explicar este avanço das esquerdas na América Latina. Apenas constatar sua existência parece um tanto óbvio.

  2. Manfred Trennepohl
    Manfred Trennepohl

    O eleitor brasileiro tem

    1. Manfred Trennepohl
      Manfred Trennepohl

      …. continuando. O eleitor brasileiro tem que comparecer em massa para votar no primeiro turno e num eventual segundo turno, de preferência vestido com camiseta amarela e declarar seu voto depois que sair da seção eleitoral. Temos que achar formas de evitar as abstenções e votos nulos e brancos. Fundamental esse trabalho.

  3. Lúcia Maria Lebre
    Lúcia Maria Lebre

    Muito Bom Silvio Navarro. Como sempre, na batalha pela Democracia!

  4. Robson Oliveira Aires
    Robson Oliveira Aires

    Excelente reportagem. Parabéns. Todos os avisos estão sendo dados. Só não enxerga quem não quer. Depois não adianta reclamar quando a sua cabeça estiver na guilhotina.

  5. Marcelo Martins
    Marcelo Martins

    O objetivo do Foro de São Paulo será alcançado em outubro desse ano. Não tenho dúvidas de que Lula ganhará a eleição, se não for pelo voto, será por fraude do TSE. O Brasil é a joia da coroa para a Esquerda e eles farão de tudo para conquistar essa joia. O país mais rico da América Latina cairá nas mãos do PT novamente. E quando estiver no poder novamente, o PT não irá vacilar como antes e fará de tudo para implementar seus objetivos:
    – controle total dos meios de comunicação
    – liberalização da venda de drogas
    – liberalização do aborto além do que é permitido hoje, pela lei
    – fim da restrição de dois mandatos consecutivos para mandatos do Executivo, permitindo que o presidente se candidate indefinidamente
    – banalização do crime, com o abrandamento de penas para pequenos delitos, como acontece hoje em algumas cidades da Califórnia, aonde pessoas que cometem furtos de até US$ 950 não podem mais ser presas
    – força total no aprofundamento da agenda LGBT nas escolas
    – vista grossa e até mesmo apoio aos ataques de grupos como o MST e o MTST às propriedades privadas
    Se preparem! Será o fim do Brasil como conhecemos. Depois de instalados no poder, para extirparmos esse câncer, teremos que recorrer à uma revolução novamente, como a que ocorreu em 64!
    Se isso acontecer, espero que não cometamos o mesmo erro que o militares cometeram, ao dar anistia pra toda essa gente poder voltar ao Brasil no final dos anos 70!
    O Brasil seria um país muito diferente hoje se não tivéssemos permitido a volta de gente como Brizola, José Dirceu, FHC, Serra, e tantos outros que plantaram novamente a semente do Socialismo aqui no Brasil, com a diferença de que não usaram armas como a Esquerda usou na década de 70, mas utilizaram os postulados de Gramsci, se infiltrando na academia, nas artes, na cultura e agora na imprensa.
    Prevejo tempos sombrios para o Brasil.

  6. Gláucio dos Santos Costa
    Gláucio dos Santos Costa

    Fatos reais. Estudei no Paraguai. Tenho amigos que trocamos mensagens e hj recebi um áudio que empresarios do Chile e Colômbia, estão solicitando visto de moradia em assuncion. Chile se vão 3 meses. Já começou. Colômbia pelo discurso de Petros já deu pânico em muita gente 10 dias. O fluxo de capital que mudará de rota será absurdo. Nova Argentina é a Venezuela em ritmo acelerado. Votaremos em quem? O problema que já detectaram nestas eleições foram as abstenções. Aqui será diferente?

  7. Erasmo Silvestre da Silva
    Erasmo Silvestre da Silva

    O progresso do regresso

  8. Antonio Carlos Neves
    Antonio Carlos Neves

    Silvio, eu acredito que pelo voto popular Bolsonaro vence, todavia pelo voto eletrônico o próprio TSE deixa transparecer que teme AUDITORIAS seja pelo voto impresso que vergonhosamente se interromperam sua aprovação com a conivência de parlamentares opositores, ou por qualquer meio que as próprias FFAA ofereceram e não aceitam. Só resta que as FFAA, INSTITUIÇÃO mais respeitada pela população EXIGA a participação de TIs. do Ministério da Defesa no desenvolvimento do software e tecnologia atualizada para implantar meios que permitam AUDITAR e RECONTAR se necessário todas as urnas adicionadas de exclusivo uso das FFAA. Penso que a rotina do eleitor para o VOTO IMPRESSO, poderia ser a mesma para o VOTO DIGITAL em uma segunda urna que receberia o REGISTRO ao invés do VOTO IMPRESSO, para posterior auditoria por amostragem de urnas sorteadas em todo pais, e a APURAÇÃO TOTAL DAS URNAS para AFERIR os resultados apurados pelo TSE que deveriam ser os mesmos. No caso de divergência vale a apuração da urna exclusiva das FFAA. Alguém tem dúvida da lisura do Ministério da Defesa?

  9. Adalberto Gonçalves da Silva
    Adalberto Gonçalves da Silva

    Putz! No jargão americano: todos cucarachos!!!

  10. Teresa Guzzo
    Teresa Guzzo

    Brilhante artigo Silvio Navarro,escancarou a verdade sobre os governos dos países da América Latina e suas ligações íntimas com o narcotráfico.Brasil não é um país que produz drogas, é rota de passagem para Europa,EUA e África Produzimos alimentos,o agronegócio é.o nosso carro chefe.As fronteiras secas estão sendo vigiadas e queimando toneladas de cocaína e maconha que passam por nosso país.A Amazônia pela sua extensão e grandes rios tornou- se rotas preferidas de escoamento de drogas produzidas na Colômbia, Bolívia e Perú . Lá pessoas desaparecem mesmo e não tem nada a ver com a pesca e sim com drogas.Essa é a realidade de fatos que nos preocupam.

    1. Silvio Navarro

      Obrigado! Abs

  11. Izelia Grã Casali
    Izelia Grã Casali

    Com todo respeito Silvio, mas existe um erro brutal no teu artigo. O mandato presidencial no México é de 6 anos sem reeleição, ou seja o mandato do AMLO vai até 2024. O plebiscito que aconteceu foi estilo recall para saber se a população queria que ele terminasse seu mandato, foi uma jogada mais eleitoreira, mas nada a ver com esticar o mandato já que ele foi eleito para governar até 2024. Apesar de ele reclamar da imprensa, é muito parecido com o Brasil, aqui tem uma elite que manda e ele basicamente se aliou a muitos deles pra poder governar. Tá muito longe da Argentina, Venezuela ou Cuba na prática. É um alinhamento ideológico sem duvida, mas aqui já é um narco estado desde os tempos do PRI e o Exercito ta envolvido, enfim é complexo.

    1. Silvio Navarro

      Izelia, obrigado pela mensagem. Não foi erro. Obrador quis esticar o mandato de seis anos (que poderia ser encurtado) pela mão do populismo de esquerda. Tem aversão aos correspondentes de jornais e reage contra a imprensa nacional (tudo isso já foi noticiado). Obrigado mais uma vez. Abs!

  12. Marcelo Gurgel
    Marcelo Gurgel

    O ativismo judicial peocupa.

  13. Andre mendonça
    Andre mendonça

    América Latina sendo América latrina. Vocação para o atraso. Nada muda isso.

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