Se a história política brasileira fosse uma ficção, a última década poderia ser contada como no tragicômico filme alemão Adeus, Lenin! (Good Bye, Lenin!), de 2003. A trama se passa na Alemanha Oriental, durante a guerra fria, e uma militante comunista entra em coma às vésperas da queda do Muro de Berlim. Quando ela desperta, o comunismo havia sucumbido, e seu filho tenta esconder dela que o mundo havia virado do avesso. Foi o que aconteceu no Brasil dez anos depois daquele dia 17 de março de 2014, quando começou a Operação Lava Jato, que posteriormente varreu a corrupção institucionalizada: a operação terminou derrotada, com a volta da quadrilha ao poder em 2022.
O legado da Lava Jato e sua intensa cronologia foram revisitados em uma dezena de reportagens e entrevistas de Oeste nos últimos anos. A linha do tempo publicada na edição 112, de maio de 2022, foi atualizada nesta semana com um desfecho melancólico para os pagadores de impostos.
Uma pessoa que tenha entrado em coma em 2018, por exemplo, logo depois da prisão de Lula, levaria um susto ao saber que o petista é o atual presidente da República. Ele passou 580 dias na “cela gourmet“ de Curitiba, condenado em três instâncias. Como ele, uma lista de políticos enquadrados em formação de quadrilha voltaram à cena. O ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral é um deles. Condenado a 400 anos de cadeia, agora pode ir à praia, virou consultor e youtuber. Outro é o ex-ministro José Dirceu, que depois da temporada no cárcere hoje faz política com desenvoltura e celebrou seus 78 anos nesta semana com uma festa de arromba numa mansão no Lago Sul, na qual estava presente a cúpula do poder de Brasília.
Dos políticos com apelidos nas planilhas da Odebrecht, não há mais ninguém preso nem cumprindo pena. Aliás, a lista da propina nem existe mais: o Supremo Tribunal Federal (STF) mandou destruir com uma furadeira de mesa os documentos contidos em HDs, com terabytes de provas de transações clandestinas. Quem ordenou a destruição foi o ministro Dias Toffoli, que já foi o “Amigo do amigo do meu pai”, segundo o empreiteiro Marcelo Odebrecht — o pai é Emílio; e o amigo, Lula.
E as empresas que confessaram crimes, como a JBS e a Odebrecht, inclusive com negócios no exterior? As multas bilionárias foram anuladas numa canetada de Toffoli, num desmonte iniciado por Ricardo Lewandowski. E o que aconteceu com Lewandowski? Ele se aposentou do Supremo e passou a advogar justamente para uma dessas empresas, a JBS — que, aliás, tem no corpo jurídico a mulher de Dias Toffoli. Mas isso não é proibido? Não, porque o próprio Supremo decidiu que agora pode (leia a reportagem “Relações incestuosas”, nesta edição). Aliás, Lewandowski virou ministro da Justiça em fevereiro.
O espectador desse enredo hollywoodiano se perguntaria: “Que fim tiveram os principais investigadores e o corajoso juiz, celebrado com um boneco inflável na Avenida Paulista aos domingos e cuja popularidade chegou a superar a do presidente Jair Bolsonaro em pesquisas?”. O procurador Deltan Dallagnol teve o mandato de deputado federal cassado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), liderado pelo ministro Alexandre de Moraes, numa sessão que levou um minuto — o motivo até hoje não é claro. O mandato de senador de Sergio Moro está por um fio.
Moro — a quem Lula, numa entrevista, também jurou vingança — é acusado de abuso de poder econômico na pré-campanha. Pedem a sua cassação tanto o PT quanto o PL. Como não existe lei específica sobre essa situação, o Tribunal Regional Eleitoral do Paraná vai decidir. Cabe ao TSE a palavra final.
No caso de Deltan, fundamentou sua cassação uma tese — e não um dispositivo de lei — inédita até então na Justiça Eleitoral: a de que ele pediu demissão do Ministério Público para não responder a um processo disciplinar. A Lei das Inelegibilidades, no entanto, fala apenas que é inelegível o membro do Ministério Público que pedir demissão depois da abertura do processo administrativo. Contra Deltan não havia qualquer processo disciplinar. Ou seja, foi uma cassação praticamente mediúnica.
Mas o ministro Gilmar Mendes não afirmou certa vez que a Lava Jato desvendou uma “cleptocracia” no país? Ele mudou de ideia depois da eleição de Bolsonaro e disse que Curitiba “foi o germe do fascismo”. E Luiz Fux e Luís Roberto Barroso, os “lava-jatistas” da Corte? Estão calados há tempos.
O desmonte da Lava Jato, segundo Deltan, deve provocar uma onda de impunidade no país. “Agora nenhum político vai para a cadeia”, afirmou nesta semana, em entrevista ao programa Oeste Sem Filtro. “Basta ver que os processos de Sérgio Cabral e de Eduardo Cunha, que foram para a Justiça Eleitoral, estão em vias de prescrever. Em seguida, tivemos a decisão que determinou que a Justiça Eleitoral é quem deve julgar a corrupção política. Foi a partir daí que tivemos anulações de condenações, como a do Lula.”
Para o ex-procurador, esse movimento é uma retaliação da classe política à operação. “No começo, a Lava Jato atingiu três partidos centrais: PT, PP e PMDB”, lembrou Deltan. “Porém, as investigações avançaram e chegaram também a nomes como José Serra e Geraldo Alckmin. Até que a operação chegou a um ponto em que ficou insustentável. O sistema político passou a reagir contra as investigações.”
Segundo uma recente pesquisa da Quaest, 74% dos entrevistados afirmam que o STF incentiva a corrupção ao anular punições da Lava Jato e, para 42%, a operação acabou por “ação dos políticos para barrar” as investigações
A fala de Deltan remete ao mais elucidativo diálogo captado entre investigados da Lava Jato. O então senador Romero Jucá (MDB-RR), outrora o mais hábil articulador de todos os governos desde a redemocratização, conversa com Sérgio Machado, presidente da Transpetro — subsidiária da Petrobras. Pouco antes do impeachment de Dilma Rousseff, Jucá e Machado concluíram: “Era preciso estancar a sangria”. Isso envolvia a troca de Dilma por Michel Temer e o aval do Supremo.
O Supremo Tribunal Federal segue empenhado em apagar os últimos vestígios da Lava Jato. O revisionismo histórico, contudo, não reverbera na sociedade. Segundo uma recente pesquisa da Quaest, 74% dos entrevistados afirmam que o STF incentiva a corrupção ao anular punições da Lava Jato e, para 42% a operação acabou por “ação dos políticos para barrar” as investigações.
Nesta semana, Lula ainda determinou que o governo ajude outras empresas envolvidas no cartel da Lava Jato, que ainda devem R$ 8 bilhões. Num filme de ficção, seria mesmo como despertar de um coma: o bandido vence no final.
Com reportagem de Loriane Comeli e Diego Rosa.
Leia também “A institucionalização da censura pelo TSE”
Como diz a uma fala do ex presidente francês Charles de Gaulle “O Brasil não é um país sério”.
A república tupiniquim sempre esteve mergulhada em corrupção.
A Lavo Jato escancarou para a sociedade o que acontece nos bastidores do poder, que agora é sumariamente destruído pelos mesmos corruptos e corruptores.
Excelente artigo do Silvio Navarro, parabéns! Esse roteiro parece mais filme de terror.
A corrupção não só venceu, mas se solidificou!
Silvio Navarro, seu poder de síntese é fenomenal. Excelente matéria, quem pode negar aos fatos? Só eles, os delinquentes, isso causa um ranço sem medida…que leva infelizmente ter que recorrer às farmácias para sobreviver.
É o poste fazendo xixi no cachorro.
Parabéns Silvio Navarro pelo excelente texto!
Uma retrospectiva histórica (recente) que sinaliza a morte da moralidade no Brasil entre as classes dirigentes e que tem um efeito devastador na percepção e ação do homem mediano sobre o que é ser ético e probo. Uma tragédia sem precedentes para a nação. A foto das três figurinhas apertando as mãos e com sorrisos estampados em suas caras de pau, me lembrou dos fundamentos da “Gestalt” sobre a percepção de figura e fundo: na figura, eu identifiquei três senhores de ternos, bem alimentados, felizes e aparentemente distintos; no fundo, a minha percepção – implicada pelos tristes episódios vivenciados no Brasil atual – foi de um rio de lama composto por elementos da corrupção, da imoralidade, da leniência, da covardia, da deslealdade, da falta de caráter… Elementos que DENOTAM compor grande parte da elite dirigente e empresarial do Brasil!
Esta cronologia precisa sempre ser rememorada. Lewandovski, no STF, vota a favor da JBS, e logo após a aposentadora, começa a advogar para a mesma JBS.
Dias Toffoli vota a favor da JBS, ao mesmo tempo que sua esposa é advogada da mesma JBS…
*GUARATINGUETÁ SP Terra de Frei Galvão, Presidente Rodrigues Alves, Dr. Zerbini, Dilermando Reis, Visconde de Guaratinguetá e outros. Agora temos o JOÃO de Guaratinguetá preso em Brasília* *08.01.23*
*GUARATINGUETÁ SP Terra de Frei Galvão, Presidente Rodrigues Alves, Dr. Zerbini, Dilermando Reis, Visconde de Guaratinguetá e outros. Agora temos o JOÃO de Guaratinguetá preso em Brasília* *08.01.23*
*GUARATINGUETÁ SP Terra de Frei Galvão, Presidente Rodrigues Alves, Dr. Zerbini, Dilermando Reis, Visconde de Guaratinguetá e outros. Agora temos o JOÃO de Guaratinguetá preso em Brasília* *08.01.23*
Silvio, a Revista Oeste precisa insistir em entrevistar figuras tucanas que fizeram o “L” ou melhor, que ARQUITETARAM o plano para destruir o excelente, honesto e competente governo Bolsonaro e o pais, “descondenando” Lula e perseguindo Bolosonaro e seus seguidores. Vale lembrar que muitos atuais seguidores de Bolsonaro ou da DIREITA foram TUCANOS como eu que seguiram o PSDB desde sua fundação e admirava as celebridades que julgava honestas como FHC, DÓRIA, SERRA, JEREISSATI, ALCKIMIN, juristas como JOSE CARLOS DIAS, MIGUEL REALE JR, economistas como PERSIO ARIDA, MALAN, ARMINIO, ELENA LANDAU e outras figuras atualmente inúteis e intelectualmente desonestas.
Vale dizer que li parte das confissões de FHC em seus “diários da presidência” e lá encontramos intervenções pessoais na troca de direção da PF e na IMPRENSA (FOLHA) ao fazer 2 destacados jornalistas a desdizer o que escreveram a seu respeito. Quanto ao PT e Jose Dirceu que recentemente enviou cumprimentos por seu aniversário escreveu na pg. 116 livro I: “queria fazer uma pequena reflexão e repetir o que eu disse ontem de manha aos repórteres da FOLHA que estiveram comigo no Alvorada. Acho que o PT enveredou por um caminho perigoso, que é essa do LULA atacar tudo, do ZE DIRCEU pregar ocupações. Este disse que o PT tem que sair pregando GREVE nas ruas, uma coisa INFANTO JUVENIL. Eles estão repetindo o erro histórico dos COMUNISTAS com a SOCIAL DEMOCRACIA, quando preferiam se aliar a direita, ate mesmo ao HITLERISMO do que a SOCIAL DEMOCRACIA. Aqui eles preferem de vez em quando entrar em boas relações com o MALUF, juntar num cambalacho só BRIZOLA, JOÃO AMAZONAS e LULA, tirando todo o frescor, tudo que era novidade no PT de LULA, que era um líder sindical novo. Agora, a linguagem esta sendo dominada pelo PC do B. É patético. E não quiseram ter um dialogo com o governo, e o governo representa o setor DEMOCRÁTICO, de CENTRO para dizer com clareza, aberto à ESQUERDA, e eles quiseram dialogar com a DIREITA”.
Pois é Silvio, mesmo assim FHC fez o “L”. Isso sim é ÓDIO aos bolsonaristas como eu, ex tucano envergonhado aos 78 anos.
Tem alguma necessidade de alguém argumentar sobre este governo que está aí? É melhor que o Brasil entre numa guerra civil do que viver sob o domínio dessa corja de vermes
Vergonhoso.
Para o público, sentado na geral, a Lava Jato mostrou quem manda e desmanda no Brasil, desde tempos de Cabral: os políticos! Pelo jeitão da coisa, deve continuar assim, por mais algum tempo, até que aquele público se enfureça e cumpra o pesadelo do Xandão.
Está vencendo.
Mesmo que o problema dure mais que nossas vidas, temos que combater, deixar um bom legado para as próximas gerações.
resumo, o stf foi ‘desacovardado’ e mudou 180 graus de opinião, seria porque o que sempre governou aparelhando instituições e prometeu ‘tomar o poder’ que é muito diferente de ganhar eleições o deve ter feito da forma mais simple possível: cochichou no ouvido de Gilmar, muda de opinião ou todas suas ilegalidades vão o levar a cadeia ao invés de Lisboa…quanto a Xandão, talvez uma ajudinha vinda dos dialogos cabulosos…
Seria a continuação da mini série “O Mecanismo” (Netflix). Mostrar o impeachment da presidanta, a prisão do ladrão, do cabeça (Dirceu), Genoíno, do Marcelo, dos irmãos, Cabral, etc, etc. Mostrar como a bandidagem se recompôs através de 9 do STF e uma tentativa de pincelar o que estamos vivendo hoje. Não percam a próxima mini série “O Mecanismo, parte II”.
Uma legítima CLEPTOCRACIA !
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